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A aranha: alexandre costa

  • Foto do escritor: cafe & outras palavras
    cafe & outras palavras
  • 15 de ago. de 2019
  • 3 min de leitura


Samira fita o teto, talvez à procura de uma estrela, talvez porque para ela fitar o teto seja um passatempo divertido, ou a única coisa a fazer. Ela varre com o olhar cada imperfeição, cada sombra projetada pela lâmpada presa ao ventilador de teto, olha cada canto percebendo melhor os ângulos de noventa graus que correm em direções diferentes. O teto é branco como a neve, ela pensa, e percebe nele alguns pequenos buracos que um acabamento malfeito do pedreiro o deixou parecido com um céu pouco estrelado. Ela vê uma pequena aranha tecendo sua teia, talvez à espera do jantar, e pensa que amanhã fará uma faxina em seu quarto. Se ela fosse a aranha veria deitada na cama uma mulher pequena, de cabelos negros, olhos ligeiramente esverdeados, pele clara e corpo magro, perceberia também que aquela mulher tinha o olhar vago e o pensamento perdido. Samira espera, a aranha espera, em comum as duas esperam um macho. A seu modo, cada uma delas está solitária, tecem suas vidas dia-a-dia, a cada minuto, porque cada momento pode ser o primeiro. Um inseto cai na teia e a espera acaba para uma das duas, não é isso que a aranha quer, mas aceita o que recebe.

Samira acompanha cada passo até que ela tenha devorado sua presa, vira-se de um lado para o outro, procura passar o tempo olhando cada detalhe do quarto. Os quadros na parede não estão simétricos, isso a incomoda, mas amanhã irá arrumá-los melhor. No quadro de cortiça, as fotos contam a história de seu último passeio de férias, é tarde da noite, mas não se incomoda mais com isso, ela não conta mais o tempo. Incomodada está mesmo é com a espera. Sempre fora uma pessoa paciente, sabia esperar pelas coisas, mas com a idade foi perdendo um pouco desse dom. Ela sabe que esperar é um luxo que não pode mais desfrutar. E ao esperar ela lembra de uma dor, é dor que não quer repetir e liga a TV a fim de esquecer, mas não há nada o que apreender com a programação desta noite. Samira sabe dizer onde está cada objeto de seu quarto sem que precise olhar para eles, ela acha isso muito curioso, mas prefere esquecer, na esperança de surpreender-se consigo mesma. Na cozinha, a louça da janta ainda está suja dentro da pia, na sala, os peixes no aquário redondo esperam pela comida que Samira só colocará novamente amanhã, o pequeno corredor que leva ao seu quarto está vazio, assim como seu coração. As paredes esperam a decoração que, com certeza ela deixará para amanhã. Ela também espera que seu coração seja decorado com o amor que lhe falta. Em toda casa silêncio, igual ao silêncio que existe dentro dela mesma.

Deitada em sua cama, pensa no vazio que preenche sua vida e pensa na falta do amor que a devora. O amor deixou Samira para amanhã. Pensa na espera que consome seus dias e lembra da aranha, vê que ela já se retirou para seu descanso diário, mas Samira não descansa, e vê os dias passarem por sua janela. Ela finge um sorriso quando pensa que talvez ele chegue a qualquer momento, e então abrirá a porta, deitará ao seu lado e fará amor até que ela mesma esqueça quanto tempo esperou. Lá fora o mundo se move sem que se encontre um motivo lógico para isso, porque para ela, só há lógica quando nos movemos em direção ao amor. Ao amor que ela não encontra. De repente volta-se para si mesma, e no espelho, encontra alguém que esperou demais, aliás, antes mesmo de nascer ela já esperava. E dorme um sono profundo, quase uma morte, e sonha que é a aranha que devora a moça dando sentido à sua existência.

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