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A mulher de blusa listrada: alexandre costa

  • Foto do escritor: Cafe e outras Palavras
    Cafe e outras Palavras
  • 5 de out. de 2020
  • 3 min de leitura

A mulher está sentada na poltrona, ela está vestindo uma blusa listrada de preto e branco, ela fuma um cigarro, suas pernas estão dobradas e seu braço direito apoia-se no encosto, ela está pensativa [talvez seja porque sua vida chegou a um ponto em que ela mesma não suporta mais], ela leva o cigarro à boca e dá uma longa tragada, seu semblante é triste e castigado, ela solta a fumaça para cima levantando levemente a cabeça [não quer que a fumaça incomode seu gato, deitado no chão bem a sua frente], ela pensa em chorar, mas não chora, ela resiste por conta de suas feridas abertas proporcionarem ao mesmo tempo um escudo e um antídoto contra seu sofrimento, mas isso não a isenta da dor, ela olha agora fixamente a parede a sua frente, observa uma foto antiga abraçada ao filho, lembra-se do dia exato em que isso aconteceu, ela leva o cigarro mais uma vez à boca e dá uma última tragada antes de amassá-lo no cinzeiro, ela mexe nos cabelos, ajeita-os para [nem sabe por que] parecer melhor no espelho encostado em frente à cristaleira a sua direita, ela levanta e caminha até a janela, ela está descalça pisando sobre o tapete persa que decora a sala, ela abre a porta de vidro que dá para a sacada e não se incomoda com o barulho da rua lá embaixo, ela respira fundo, levanta os braços esticando-os o máximo que pode, fica na ponta dos pés e toca os dedos no batente acima de sua cabeça, ela sente-se muito bem agora [e lembra que não sentia isso há muito tempo], ela encosta-se à grade de ferro da sacada, segura-as com as mãos, apoia seu abdome contra ela [uma brisa bate de repente e desarruma seu cabelo], o gato que a acompanhou até lá fora olha curioso seus movimentos, ela olha para trás e percebe que ele está ali, ela abaixa-se e o pega com carinho, ele mia incomodado, ela pede para ele não se zangar e coloca-o novamente no chão, ele sai correndo sobre o tapete, pula no sofá e deita-se, ela vira-se novamente para fora [uma outra brisa bate e ela respira fundo aproveitando todo o oxigênio que pode absorver, ela apoia-se mais uma vez na grade, passa a perna direita por sobre ela, agora a grade está entre suas pernas, ela equilibra-se e passa a outra perna para o lado de fora também, ninguém pode vê-la, é muito alto, ninguém percebe seus medos e suas intenções, ninguém imagina o que pode dar errado em estar caminhando tranquilamente pela calçada e de repente um corpo cair em sua cabeça, o mundo não para, nenhum aviso, nada te prepara para o que você nem sabe que existe; ela está apoiada na grade, de costas para a porta de vidro que dá acesso de volta à sala, ela conhece todos os motivos, ela equilibra-se na grade de ferro, mas seus pés descalços doem, ela solta uma das mãos da grade, sua blusa listrada de preto e branco sacode ao vento [que de repente ficou mais forte], ela olha para baixo e não sente medo, ela fecha os olhos e abre novamente pela última vez, o gato mia no sofá lambendo as patas, a porta de vidro sacode ao vento forte, o apartamento agora está vazio.

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