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Atrás do vidro: alexandre costa

  • Foto do escritor: Cafe e outras Palavras
    Cafe e outras Palavras
  • 18 de mar. de 2020
  • 2 min de leitura

Todas as noites, seu corpo longilíneo contorce-se languidamente diante do vidro que lhe impede de ver aqueles que se saciam diante de sua performance. São predadores anônimos que pagam pelo desejo de ver a presa sem poder aprisioná-la. Todas as noites, ela pede que seja a última, ela implora através de gestos e gemidos, mas do outro lado, homens de mãos cheias e corações vazios contorcem-se pelo prazer imediato e fugaz. Ela continua seus movimentos sensuais e ritmados, desce as mãos até seu sexo, geme até que ela mesma não conte mais quantas vezes gemeu naquela noite. Homens em fila indiana, a cada 5 minutos, vão trocando de lugar num ritmo que lembra um carrossel. Esse é o ritmo em que ela está acostumada a viver. Nesse encontro de duas realidades diferentes, nada mais faz sentido agora. Os dois lados são prisioneiros um do outro. Uma dependência psíquica, química – um coquetel de prazer fácil e barato. Um prazer falso, vítima de uma falsa entrega, de um adormecer incongruente. Atrás do vidro, a noite é seu cárcere. Cansada daquela maratona insana, ela adormece por um instante. Sonha com a liberdade, mas um cliente mais afoito esmurra o vidro para que ela acorde e lhe dê prazer: “E aí puta, eu tô pagando, levanta e geme gostoso.” Nada mais faz sentido quando não damos sentido a nada.

Cada momento guardado se torna uma grande pedra que incomoda e machuca. Nada mais fazia sentido para aqueles homens do que ver todas as noites aquele corpo perfeito serpenteando diante de seus olhos. Nada mais fazia sentido para ela quando o que ela mais queria era não ser ignorada nem desprezada. E nessas voltas que a vida dá, nada faz mais sentido do que se sentir vivo.

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Cafe e outras Palavras
Cafe e outras Palavras
Mar 18, 2020

Estou vivo, logo leio!

R. Fedler.

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