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Bastidores: alexandre costa

  • Foto do escritor: Cafe e outras Palavras
    Cafe e outras Palavras
  • 4 de dez. de 2020
  • 3 min de leitura

...bem ali, nos bastidores, na coxia, por uma pequena fresta em uma cortina rasgada pelo uso, dava pra ver eles chegando, a plateia. O murmurinho, os cochichos altos, as risadas, os passos apressados, o rangido das poltronas ao abaixar os assentos. Isso era o que me deixava mais nervoso. Quanto maior os sons do outro lado do palco, mais claro ficava para mim que a noite ia lotar, todos estariam me vendo, me agarrava pelo pescoço e me sufocava toda aquela expectativa.

...deste lado, o Zeca distribuía café no copinho de plástico e jurava que curava a ansiedade [...] claro que isso era apenas sua ansiedade sendo extrapolada, a Gina soprava um saco de pão encostada na parede do fundo, perto da camarim da Amandita, nossa atriz principal, contratada para dar mais peso ao elenco e tentar alavancar a peça já na estreia.

...eu olhava e nada fazia sentido, pelo menos para mim, deixei de lado esses pensamentos e tentei decorar minhas falas, sentei no chão, perto do bebedouro, fazia um barulhinho que me acalmava, fiquei ali. Passos curtos era o Geraldo, passos largos o Telão, outros passos que não identifiquei, um deles parou a minha frente, levantei a cabeça para ver quem era. Amandita. Sorria pra mim e nem era meu aniversário. Agachou-se bem a minha frente, se apoiou no meu joelho com seus punhos e soltou a frase: “Estou morta de medo”.

...agora a vaca foi pro brejo, pensei! Se ela estava com medo, imagina eu, imagina o resto do elenco de amadores como eu. Só por causa dela o teatro lotou. Olhei ao redor pra ver se mais alguém ouviu o que ela disse. Nada.

...soltei o script, coloquei minhas mãos sobre as dela e falei: “Que merda” [...] Eu não sei o que ela entendeu, mas me deu um sorriso largo e saiu feliz pelo corredor. Eu, só eu sabia que ia da merda. Foi isso o que eu quis dizer.

...Soou a campainha dos cinco minutos, nos colocamos em roda, fizemos uma espécie de oração, mas não era uma oração de verdade. [...] Merda pra todo mundo, quebre a perna para todos, e nos preparamos. Antes, uma última olhada pela fresta da cortina. As luzes da platéia ainda estavam acessas e deu pra ver que não tinha uma única poltrona vazia. Um último toque na maquiagem, um último exercício para melhorar a voz, uma última ida ao banheiro, estávamos todos prontos, pensei, tentando não enganar a mim mesmo. Entramos.

...todas as nossas preces foram atendidas. Amandita ficou tão nervosa que foi vaiada por cinco minutos quando tínhamos apenas 3 minutos de peça. O Zeca tentou acalmar a plateia e pulando um objeto de cena, escorregou e quebrou a perna, Amandita chorava sem parar, o público vaiava. Telão começou a xingar todo mundo [...] foi quando se levantaram e se retiraram, alguns atirando objetos que eu nem sabia que estavam levando. A Gina xingou todos de volta. O diretor, da cabine apagou todas as luzes e só pedia desculpas por tudo. Na escuridão pisei no pé de alguém e ouvi um estalo [...] depois descobri que havia quebrado o dedo mínimo de Amandita.

...sentei numa poltrona que fazia parte do cenário, as luzes se acenderam novamente, foi quando percebi que havia uma pessoa ainda sentada na plateia, me senti nu, envergonhado ao extremo. Ela se levantou e veio em minha direção, todos já haviam saído de cena e ainda conseguia ouvir Amandita chorando pelo dedo quebrado, o Zeca xingando todo mundo, a Gina gritando que nunca mais atuaria de novo...

De repente voltei minha atenção àquela pessoa que ainda estava no teatro vindo em minha direção. Levantei-me esperando pelo derradeiro desfecho daquele desastre.

...e então ela me disse citando Caio Fernando Abreu : “Como se fosses tu, assim entras no teatro e te chamam dentro do sonho e te chamam para fazer o papel do sonho de alguém que não veio, e dizes que nunca viste a peça e nunca leste o texto e nada sabes de marcações intenções interiorizações e te dizem que não importa porque é só um sonho e um sonho não precisa ensaio.”

1 Comment


Cafe e outras Palavras
Cafe e outras Palavras
Dec 04, 2020

Eu e o Senhor Vladimir Madeira temos experiências com fracassos nos palcos. Uma cicatriz que carregamos para o resto da vida, mas que sempre rende muito assunto em mesas de bares...

O fracasso não é para os fracos, parabéns!

Roberto Prado

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