Liberdade Perfeita: alexandre costa
- Cafe e outras Palavras
- 21 de mar. de 2020
- 5 min de leitura

O espaço com sua grandeza descomunal e incompreensível para todos as direções já diziam, é a fronteira final. Se um astronauta quisesse viajar desde seu ponto inicial à velocidade da luz, levaria treze bilhões e meio de anos para chegar até aqui, neste exato instante em que você lê este texto. A liberdade perfeita traduzida em estrelas, galáxias, aglomerados, sóis, cometas e todo tipo de matéria que viaja por este grandessíssimo, descomunal, infinito e infalível universo. Alguns seres que habitam este lugar ficariam divertidamente surpresos se soubessem que tudo isso que pensam que sabem, é muito maior e muito mais complexo do que simplesmente pegar um foguete e sair por aí como se tivesse de férias, olhar por grandes telescópios e enxergar coisas que nunca poderão tocar, enfim, ser este astronauta é além de um grande privilégio, também um grande desafio, talvez um desafio descomunal para um ser tão insignificante para a grande escala de importância que o universo dá a ele.
‘Onde ninguém jamais esteve’ é o maior jargão já dito por todos os seres que conseguem viajar por este grande quintal universal, mesmo aqueles que habitam Ursa menor ou o braço esquerdo de Órion. Especificamente para estes habitantes de Órion, talvez a simples menção de poder sonhar com essas viagens seja incompreensível para suas mentes tão duras e pequenas. Embora este que escreve a vocês também seja um habitante de um pequeno pedregulho que orbita uma minúscula estrela numa insignificante galáxia situada no braço esquerdo de Órion, desejo informa-lhes que vocês também pertencem a este lugar.
O espaço, esse que se apresenta de maneira tão infinita e desproporcional para nossas mentes tão limitadas, não se importa com o quanto um ser que lhe habita seja mais ou menos inteligente a ponto de querer desafiar transpor sua distância em todas as direções, e não tem nenhuma empatia por esses seres também.
Liberdade perfeita em contagem regressiva para o lançamento. Toneladas de metal e combustível sólido seriam erguidos a onze mil quilômetros por segundo vencendo a atmosfera terrestre e arremessando a espaçonave ‘ao infinito e além’.
Na cabine de comando, Strauss Célcius, piloto canadense especialmente escolhido entre trinta e dois milhões de voluntários, sentia seu rosto ser distorcido e empurrado para dentro de sua caixa craniana e seu corpo pesar mais que uma lua, enquanto o chão lá embaixo ficava cada vez menor e o céu mudava de cor, indo de um marrom poluição até um azul piscina e se transformando cada vez mais até a escuridão assustadora do espaço lhe apertar as mãos em um cumprimento nada amigável para quem a vê pela primeira vez.
De repente ele se sentiu assustadoramente só, perfeitamente solitário, pateticamente inútil, verdadeiramente maravilhado com tudo. Olhou pela escotilha na lateral direita de onde estava sentado e viu uma bola de gude brilhante no espaço que refletia uma luz branca e fria por detrás, como se o sol estivesse nascendo em sua cidade natal.
O rádio cuspiu estática estática estática depois uma voz pediu contato depois estática estática de novo e um grande ruído e silêncio.
O silêncio no espaço pode ser assustador como já havia dito antes, sua assustadora grandeza para todos os lados se traduz num grande silenciador, um redutor de ruídos, e você pode ouvir todos os pensamentos do mundo, todos os lamentos e até ouvir vozes que não estão lá.
Liberdade perfeita em sua grande jornada, flutuava silenciosa e solitária entre as estrelas que não se podia tocar. A liberdade perfeita para todos os homens da terra, todos os seres de todos os planetas, é viajar pelo infinitamente e descomunalmente imenso universo. Strauss Célcius ouviu nitidamente no seu sistema de som dentro do capacete uma voz que o alertava para as alegrias e os perigos de tamanha liberdade, a voz lhe contou que nem o mais inteligente e destemido ser conseguira resistir ao chamado do universo, que todos que tentaram desafiá-lo pereceram por não poder compreender o seu significado. O mais estranho e extraordinário é que Strauss Célcius não se indagou de onde vinha aquela voz que continuava a lhe dizer coisas maravilhosas e aterradoras sobre ‘a vida, o universo e tudo mais’. Naquele exato momento a estática voltou e depois uma voz familiar da terra cumprimentou-o por ser o primeiro ser humano a viajar para cruzar todo o universo e voltar para contar a história para o povo da Terra. Ninguém foi tão corajoso quanto ele, a voz repetia e desejava uma boa viagem até o fim do universo.
Silêncio na cabine por horas depois dias depois semanas depois anos se passaram até que a voz voltou em seus ouvidos. “Estamos sozinhos agora e eu vou lhe propor um desafio, vou te dar duas escolhas impossíveis de serem feitas e mesmo assim você as fará. Não há como escapar do medo e do desejo, nem há como decidir entre um ou outro, então eu lhe permito desistir agora e voltar”.
Em um manual nunca lido por um ser humano que fica na quinta prateleira de uma sala minúscula de um planeta minúsculo em Urso menor, diz que aceitar o desafio ou desistir dele é uma escolha em vão. Infelizmente não há nenhuma nota de rodapé que explique o que acontece depois. Entretanto, numa gaveta de metal perfeitamente polido e infalivelmente trancado dentro da própria nave, existia um recado do filósofo mais importante da Terra que recomendava que: no caso de encontros extraterrestres com seres extraterrestres, as escolhas devem ser extraterrestres. O que para Strauss Célcius não faria sentido nenhum se ele primeiro, conseguisse abrir a gaveta inviolável e, segundo, se lesse o que estava escrito nesse bilhete. Posto isto a voz se calou novamente e durante muito tempo não voltou a falar, até o dia em que decidiu que seria o melhor dia para Strauss Célcius fazer sua escolha.
O espaço estava entediantemente escuro há muito tempo, o rádio não falava mais nada e o tédio começava a corroer a mente e as unhas de Strauss Célcius.
Tudo pode ser incrivelmente assustador ou revigorante se você decide por um dos dois estados mentais. Ser uma ou outra coisa, estar em um ou outro lugar só prova a você mesmo que tudo é uma questão de escolha. Escolher se configura em uma das mais difíceis e aterrorizantes manobras que se faz para se ter uma ou outra satisfação ou paz espiritual.
Liberdade perfeita não era só o nome da espaçonave mais importante já fabricada pelos seres humanos como também era a mais difícil escolha que alguém poderia fazer em vida. Strauss Célcius não sabia que em outros planetas ali perto mesmo, sua jornada era transmitida via rádio para milhares de lares alienígenas. Na verdade a tv pirata de UB33C24 mandava seu sinal gratuitamente para que todos pudessem assistir o maior reality show que já haviam visto na vida, mesmo que não houvesse legendas não era tão difícil de acompanhar o programa, já que Strauss Célcius praticamente não falava.
Em um comercial da tv pirata, todos podiam saber que:
“Sfpsfhsdf lffh lfhlflkf papapmjasf jklfdçldjhdkll,jhfdlhf. Poqwetrrr!” Que em tradução livre para o português, podemos entender como: ‘Liberdade perfeita’ hoje à noite depois de sua novela preferida!” - Anunciava o canal mais importante de UB33C24.
Se houve um momento em que Strauss Célcius escolheu ficar ou desistir, jamais saberemos, porque a decisão de sair da nave para dar um passeio pelo espaço sem proteção nenhuma, levando-o à morte em trinta segundos não significava escolha alguma, ou significava uma delas. Sair e desafiar o universo, ficar e desistir são a mesma coisa pois levam ao mesmo resultado final. Sair e enfrentar é desistir e se entregar a sua liberdade perfeita. Ficar e desafiar o universo também é escolher se livrar de todos os seus medos e usufruir da liberdade perfeita.
Assim, os moradores das redondezas que assistiam a morte inevitável de Strauss Célcius foram dormir sem saber. Haverá uma segunda temporada?
Só os nerds, maldito teclado!
TO
Agora sei o santo que baixou em você, chama-se D.N.A (ok, sair os nerds entenderão). Enquanto lia, dentro de minha cabeça, ouvia Major Tom.
Prá terminar, vá à merda e quebre as pernas.
Parabéns.
Roberto Prado