Missing candy: alexandre costa
- Cafe e outras Palavras
- 19 de nov. de 2020
- 2 min de leitura
Atualizado: 23 de nov. de 2020

Não vou contar aqui essa história, porque ela nunca não existiu. Não vou contar que a primeira vez que a vi foi entrando pela porta do meu escritório naquela sexta-feira chuvosa, porque ela nunca entrou. Não existe esta história para ser contada, nem existiu por nenhum segundo sequer, ela.
Eu me lembraria de uma silhueta vermelha atrás do vidro craquelado da minha porta se pudesse, mas tenho certeza de que nunca a vi entrando por ela e vagarosamente sentando na poltrona a minha frente com um cigarro na mão esquerda e uma arma na direita. Nunca existiu tal situação, se vocês me entendem. Peço desculpas antecipadamente se eu por algum motivo que não seja o de apenas tentar lembrar, contar esse caso sinistro que nunca aconteceu. Ah!... se eu pudesse. Ela não tinha nome, porque nunca existiu, mas eu poderia chamá-la aqui de Missing Candy.
Não me lembro de seus longos cabelos louros que morriam delicadamente na cintura e que pareciam uma cascata de águas cristalinas beijando aquele corpo simetricamente bem desenhado. Se ela existisse e tivesse entrado, mesmo que por engano em meu escritório, não sentaria de lado em minha poltrona, apoiando uma perna sobre a outra tentando esconder a tatuagem na coxa esquerda sob o vestido. Eu me lembraria, mas não lembro. Vejam bem, não insistirei na hipótese de ter sonhado, porque tenho certeza de que não sonhei de forma alguma. Também nunca recebi a visita de uma linda mulher desesperada e confessando a morte do marido.
Não me conte nada – eu disse. Ela não me contou, não disse que não atirou no marido por ciúme da amante, nem disse que precisava de minha ajuda. Foi um tiro à queima roupa - ela não me disse, e ele não caiu aos seus pés enquanto a arma ainda quente, esfumaçava em suas mãos.
Eu não pude fazer nada, porque, vejam bem, essa história nunca existiu, então não posso dizer a vocês que a abracei com força tentando confortá-la, porque ela não estava ali. Eu insisto nisso, de que nada disso é real. Mas ela tinha muito medo de ser descoberta também, medo que o marido descobrisse que ela tinha um amante também, e que fosse assassinada com um tiro à queima roupa se fosse vista com ele.
Então, se ela estivesse mesmo ali a minha frente me pedindo para ser protegida, eu a protegeria se pudesse, mas não. Nunca houve esta possibilidade ou esta situação difícil de enfrentar. Nunca nos conhecemos e ela nunca entrou em meu escritório, nunca nos olhamos cúmplices e sorrimos como fizemos, porque essa história nunca existiu e eu nunca poderei contá-la.
Missing Candy desabou em meus braços, nos beijamos e eu a confortei dizendo que agora seu marido estava morto, e nós nunca seríamos descobertos.
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