O ficus: alexandre costa
- Cafe e outras Palavras
- 9 de set. de 2020
- 2 min de leitura

Malôr Kerur-Tzadik ficava todos os dias ali, em pé, bem na esquina das Ruas Murilo Rubião com Clarisce Lispector, em frente ao número sessenta e quatro, local onde estava chumbada na calçada a banca de jornais da Dona Lygia há mais de trinta anos. Malôr era um frequentador diário do Café com Livros, que ficava bem em frente à banca. Esperava ali, todos os sete dias da semana, Fernando Cabral e Nelson Rodrigues, que sentavam-se numa mesinha bem perto da dele, dali dava para ouvir toda a conversa dos dois. A mesa ficava estrategicamente colocada embaixo de um Ficus bem verde e bonito, parece que Nelson não gostava muito de pegar sol. Os dois esperavam Fernando, sempre atrasado.
Eles costumam brincar dizendo um para o outro que Fernando era uma pessoa sempre atrasada, o que fazia Malôr cair na risada todas as vezes.
Mas, Malôr não era da ‘turma’ dos famosos, embora sua rotina o credenciasse para isso, ele preferia mesmo era observar os três e absorver o que fosse possível; sentia-se um privilegiado por poder acumular de graça o conhecimento que seus ídolos proporcionavam a ele.
Não, nunca se sentiu magoado por isso, nem nunca interferiu, nem mesmo para pedir um autógrafo. Acostumou-se com aquela rotina diária de cafés, livros, conversas literárias e algumas bobagens insignificantes, isso era tudo o que ele podia ter e queria.
Certa vez, descendo a Drummond, viu Dostoiéviski, não o autor, mas o livro em destaque na vitrine, e pensou que seria interessante comprá-lo e ler em sua mesa de café em frente à ‘turma’ dos famosos, tinha ouvido uma conversa dos três sobre o novo livro e decidiu que poderia comprá-lo.
Noutro dia estava lá novamente, na esquina da Murilo com Clarice de bate papo com Dona Lygia à espera de seus autores. Sentou-se à mesa e ficou observando o Ficus balançando ao vento e pensando que talvez aquela árvore tivesse mais sorte que ele, afinal ela participava ativamente da conversa. E a rotina se repetia sempre, quando de vez ou outra aparecia um novo convidado, tipo, um dia Chico, noutro o outro Chico e assim por diante.
- Quem virá hoje Dona Lygia? – perguntava sempre.
- Quem quer que seja, será interessante Malôr, não há como não ser. – ela respondia.
- Você também escreve Dona Lygia?
- Sim, escrevo!
- E onde estão seus livros?
- Por enquanto, todos na minha cabeça.
- Os meus também!
- Quem sabe um dia a gente se sente naquela mesa e crie histórias para outros admiraram também.
- Eu posso ficar embaixo do Ficus?
O mundo da ficção se torna real nas letras de quem escreve e une pessoas e eventos num mesmo universo. Escrever é como andar sobre a água quando outros não podem, voar entre as nuvens com os urubus, descer no fundo do mais profundo oceano e respirar sem dificuldade.
Talvez seja este o fim de tudo que se pode querer quem escreve sem pedir nada, apenas um leitor atento que nunca te abandone.
Leitores...
Explique-me esse conceito!
Roberto Prado