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Par ou ímpar : alexandre costa

  • Foto do escritor: Cafe e outras Palavras
    Cafe e outras Palavras
  • 24 de mai. de 2019
  • 2 min de leitura

Todos os dias, na mesma hora, a passos contados, ele caminhava em direção à cozinha, mas nunca entrava se a contagem final dos passos fosse um número par. Tinha esse transtorno antes mesmo de nascer. Sua mãe lhe contou um dia, que nunca chutou sua barriga duas, quatro ou seis vezes, mas uma, três, cinco.

Chamava Marinho quando nasceu, porque era pequeno. Depois cresceu, e Mário era o que se ouvia quando alguém lhe chamava.

Treze passos até a porta, mais cinco até a mesa, e se não desse, girava o calcanhar e somava até desaparecer o número par. Sorria com o canto esquerdo da boca, porque alguém lhe contou quando criança que esquerdo é impar e direito é par.

Entre um gole de café com leite e uma mordida no pão de grãos, ouviu na TV que o fim do mundo ia chegar.

- Não há dia melhor para acabar tudo do que um dia ímpar. Você não acha mãe?

- Dias ímpares são dias tristes, meu filho!

Maria, que era Mariazinha quando pequena, agora mãe, ouviu quando criança, que dias ímpares eram dias tristes, porque não se combinava com nada. Verdade que se tornou absoluta, quando foi deixada pelo marido há trinta e um anos atrás, num dia ímpar, de um mês ímpar. Dia do nascimento de Marinho. Aliás, foi neste dia que o mundo acabou para Maria.

- Em dias tristes, tudo pode acontecer, até o mundo acabar.

Mário sorriu com o canto esquerdo da boca, e não disse mais nada. Saiu para a rua a procurar trabalho, mas só achou emprego, e desistiu imediatamente.

Arthur era ateu, e contava na folhinha só os dias pares, porque eram os melhores dias que o ano podia dar para alguém. Verdade que se tornou absoluta quando a mãe morreu num dia ímpar, porque se recusou a retirá-lo de suas entranhas antes, pois acreditava que dias ímpares eram dias tristes. Deixou Maria, porque o horóscopo lhe deu uma má notícia naquele fatídico dia.

E quando o mundo dá voltas, e as voltas se acumulam, se transformam em anos, décadas, uma coleção de dias bons e ruins, pares e ímpares. E Marias, Marinhos e Athures, nascem e morrem, e alimentam as histórias que todos contam sobre dias tristes e solitários.

E nada se encaixa na realidade, nada nos convence sobre a verdade, nenhuma resposta desvela nossas dúvidas. Assim, esses mitos se convertem em histórias reais, alimentam nossa necessidade de encontrar uma saída ou solução para tudo, e nos mantém criativos.

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