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Pálpebra: alexandre costa

  • Foto do escritor: Cafe e outras Palavras
    Cafe e outras Palavras
  • 18 de mar. de 2020
  • 2 min de leitura

Debaixo de suas pálpebras, Torres pode ver que tudo não passava de um sonho, um sonho que tentava a todo custo se desvencilhar de seu hospedeiro e tornar-se realidade. Torres apertou os olhos na intenção de aprisionar qualquer tentativa que terminasse em sucesso, mas o sonho debaixo de suas pálpebras não se intimidava. Torres afundou o rosto no travesseiro a fim de somar mais um obstáculo contra seu agressor, mas os sonhos são corajosos e insistentes em seus planos e objetivos. E debaixo de suas pálpebras, Torres sonhava com as oportunidades que a vida nunca lhe dera, com as escolhas que não fizera e com as chances que ninguém lhe ofereceu. Torres não sabia que os sonhos que são sonhados com tamanho desejo, podem se transformar em material para o corpo e corpo para o desejo aprisionado. Torres sonhava e, ao sonhar pensava que se há um bom motivo para se sonhar isso, é porque deve haver um alquimia desconhecida que transforme sonhos em realidades, assim como se transforma chumbo em ouro, água em vinho, dinheiro em felicidade. Mas o sonho de Torres, debaixo de suas pálpebras, sabia que a escuridão de seus olhos fechados era o abrigo perfeito onde se fortalecia e tomava forma para se materializar assim que estivesse forte o suficiente para escapar de seu cativeiro. A escuridão era sua parceira e seu tônico mágico que lhe dava a certeza de sua vitória. Torres, dentro de seu sonho fazia escolhas, aproveitava as oportunidades, agarrava todas as chances, vivia como nunca viveu em vida. Torres sabia também que sonhos não se misturam com a realidade, ao invés disso, se contradizem e travam batalhas onde o maior derrotado é seu hospedeiro, o corpo que anseia viver o que só pode ter no mundo do improvável, do devaneio, do conto.

Debaixo de suas pálpebras, Torres lutava contra seu sonho, lutava para distinguir o conto de fadas da vida adulta, sabia que ao acordar de manhã, a luz do dia explodiria como uma bomba de realidade, pulverizando seu sonhos em lembranças tão pequenas que se dissipariam aos poucos no decorrer do dia até o momento de seu total esquecimento.

Um pensamento ele pedia, um simples pensamento racional dentro daquele universo mental quebraria a mágica dos sonhos e o traria de volta à realidade.

A manhã chegou sorrateira e vitoriosa para todos naquele dia, mas Torres não acordou. De olhos fechados sonhava que acordara em um mundo fantástico onde os beija-flores davam em árvores, as ardósias floresciam e as araucárias davam voos rasantes sobre a cobertura dos prédios gigantescos que decoravam a avenida infinita a sua frente. Foi encontrado dias depois por seus vizinhos em sua cama, de pálpebras fechadas, com um sorriso no rosto e os dois punhos fechados. Ao abri-los, encontraram seus olhos azuis arregalados em pavor absoluto, mas não notaram que debaixo de seu travesseiro se aninhava um sonho feliz e radiante, quase roncando e sorrindo do nada, sem motivo e sem culpa.

1 comentário


Cafe e outras Palavras
Cafe e outras Palavras
18 de mar. de 2020

Viver um sonho... Poucos conseguem isso.

R. Fedler

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