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Qualquer semelhança é pura coincidência: alexandre costa

  • Foto do escritor: Cafe e outras Palavras
    Cafe e outras Palavras
  • 1 de dez. de 2020
  • 2 min de leitura

Subi as escadas íngremes da vida até aqui. Na recepção a menina de uniforme da terceirizada mascando um chiclete de ontem me recebe com um sorriso amarelo. Devolvo a ela a gentileza.

O elevador a minha direita abre as portas e vejo minha figura monolítica no espelho da parede do fundo. Antes de entrar resmungo alguma coisa parecida com um bom dia, mas ela nem liga, está ao telefone, provavelmente de fofoca com a prima. Pressiono o número dois no painel e o elevador faz jus ao seu nome. Não é o céu, embora seja a dois andares acima. Nada pode ser pior do que estar onde não se quer estar. Nem sempre subir é se elevar. Nem sempre se espera que o inferno seja uma sala com ar condicionado. Enfim, cheguei aqui por dois motivos e um deles foi o elevador. As escadarias da vida nem sempre são metáforas, nem sempre são literais. Subir ou descer não faz sentido em um mundo redondo.

Aprendi sozinho que o chiclete de ontem são os problemas que mastigamos todos os dias, que trabalho não é emprego, que devo empregar a minha vida em recompensas que o dinheiro não pode pagar. E paro por aqui com toda essa filosofia barata que possa manchar minha reputação. Por um motivo que não entendo, comemoramos nossa vitoriosa volta ao redor do sol com celebrações sem sentido prático, nos prendemos a maneirismos e superstições feito moscas em papel mata-moscas. Esta é uma época estranha e estrangeira onde todos fingem o amor, cospem seu chiclete para pegar outro oito dias depois. Olho ao redor da grande sala com o ar condicionado, o corredor largo e frio. A luz artificial que imita o dia cai suave sobre as cabeças. Sento em minha cadeira e na tela do computador desligado vejo o reflexo da pessoa que eu não sou. Ser ou não ser, não é essa a questão. O que me tornei é o que importa ou não. Como num sonho vejo meus colegas de sala conversando, mas não ouço sons. As imagens embaçam na minha retina e uma voz no fundo chama por alguém. Demoro a ouvir e entender que é comigo que alguém fala. Me viro para dar atenção a ela. É a menina da recepção. Volto à realidade quando ela me alerta. Sr. Roberto, o que está fazendo aqui?, é Natal. O Sr. Não deveria estar em casa?

Eu apenas olho para ela sem dizer nada, mas na minha cabeça estou processando a informação e me perguntando. Por quê? Por que tenho que passar por isso todos os anos? Por que não me deixam trabalhar no Natal? Estou aqui, então é lógico que não estou em casa. De repente feito um botão que foi apertado com força eu me ligo na situação em que estava e paro. Paro todos os processos que estavam rodando em minha mente e, finalmente, caio na realidade. Finjo que estava brincando com a menina da recepção. Só vim lhe desejar um feliz Natal – eu respondo a ela. Só que não. Dou meia volta, desço as escadarias por onde havia subido momentos antes, estou do lado de fora, parado sobre o meio fio, sobre o paralelepípedo frio. Sigo em frente e espero não repetir tudo isso amanhã. Entendam amanhã como quiserem!

4 comentarios


Cafe e outras Palavras
Cafe e outras Palavras
01 dic 2020

Quantas reflexões nos traz.

E parece que conheço um personagem desse jeito.

Rose Tayra

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Cafe e outras Palavras
Cafe e outras Palavras
01 dic 2020

Impressionante, simplesmente impressionante!

Roberto Prado.


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cafe & outras palavras
cafe & outras palavras
01 dic 2020

De tempos em tempos, a cada 365 dias essa fábula se repete...kkkkk


Alexandre

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Cafe e outras Palavras
Cafe e outras Palavras
01 dic 2020

Deu vontade chorar...

Ah! O Natal...

Roberto Prado

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