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A dança: Roberto Feliciano

  • Foto do escritor: cafe & outras palavras
    cafe & outras palavras
  • 13 de ago. de 2019
  • 2 min de leitura


Sugestão de trilha sonora: Purple Rain (Prince)


Foi preciso muito ensaio antes de te chamar para dançar comigo naquela festa. Ensaiei o jeito como olharia para você de longe, o modo como me aproximaria de ti, que a essa altura estaria dançando sozinha. Treinei as palavras que eu diria para te convencer e, principalmente, pratiquei muito os movimentos, porque seria ridículo prometer uma boa dança e te decepcionar.

Eu sei. Era pretensão demais fazer você olhar para mim. Eu achava aquele seu vestido roxo lindo e só isso já me fez parar na porta por uns 15 minutos (ou foram três semanas?) antes de ir até você, de um jeito completamente diferente do que havia planejado. Assim seria com quase tudo dali por diante.

Você me olhou, sorriu e aceitou o meu convite. Mais fácil seria se fosse para uma cerveja, cinema ou sorvete. Mas foi para dividir comigo alguns passos sôfregos naquele salão apertado.

Se eu te disser que ainda hoje me lembro daqueles primeiros passos, você vai me achar maluco? No começo eu só conseguia olhar para os seus pés. O sapato combinava com o brinco (ou era com o colar?), que era de uma dessas cores que eu não sei o nome, e contrastava com o roxo do vestido (você ainda tem ele?). Você sorria a cada giro que dávamos quando o refrão da música chegava e gargalhava do desajeito de cada um dos meus erros e saídas do ritmo.

E em algum momento daquela noite fria a gente acabou se acostumando ao corpo um do outro. Os giros eram praticamente automáticos, os sorrisos foram substituídos por uma expressão de concentração, de foco em fazer aquilo dar certo de qualquer maneira. Dançávamos bem, melhor do que muitos à nossa volta, muito melhor do que no começo. Mas quer saber? Pode parecer estranho, mas eu sentia falta das gargalhadas. Daquele medo que eu senti antes de te perguntar se você queria dançar comigo.

A vantagem era que, com a perda do nervosismo, eu tinha mais tempo para reparar em você, no seu perfume, na maciez da sua pele, do seu cabelo. Foi aí também que eu reparei que aquele vestido roxo talvez não fosse tão confortável (você já deve ter doado). E eu não errava mais passo nenhum. Os pés com sapato-de-cor-que eu-ainda-não-identificava agradeciam.

Mas eu acabei me desconcentrando. Os giros com o refrão não eram tão empolgantes como nos primeiros minutos da música. Eu já quase tinha esquecido como era sua gargalhada e os sorrisos ficaram raros e resignados. Errávamos muito, não só eu. Cada um queria ir para um lado e percebemos que estávamos completamente fora do ritmo da música, cada um em seu movimento individual.

Você afastou meu corpo do seu com a mão nos meus ombros. Sorriu o sorriso mais triste que eu já havia visto em você ou em qualquer outra pessoa e disse que precisava beber água e respirar um pouco de ar puro. Quando paramos completamente de nos mover, você falou que tinha adorado dançar comigo e fomos cada um para um lado do salão. Ainda tínhamos algumas horas de festa pela frente e eu sabia que nos veríamos novamente. E certamente você estaria dançando com outra pessoa.

E eu também.

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