A mudança: roberto prado
- Cafe e outras Palavras
- 5 de jan. de 2021
- 3 min de leitura

- Alô. Alô está me ouvindo?
Silêncio do outro lado da linha.
- Alô! Sei que você está ai, vamos me responda, por favor, fale comigo. Por favor, preciso ouvir a sua voz...
Silêncio. Ela, dolorosamente, percebe que ele desligou o aparelho.
Torna a ligar, ouve o chamado, mas não atendem.
Ela começa a chorar convulsivamente. Torna a ligar paro mesmo número que continua teimosamente a chamar.
Nada.
Ela vai ao banheiro, toma uma ducha e suas lágrimas confundem-se com a água que cai.
Ainda molhada torna ligar, dessa vez ele atende o telefone.
-Alô?
- Oi sou eu, estou te ligando há horas, há dias, mas você não me atende...
- Ah! É você? – diz com certo desconforto, nota-se que se ele soubesse que era ela não teria atendido – Preciso de um identificador de chamadas – murmura quase como que para ela ouvir.
- Por que você não me procurou mais?
Silêncio.
- Não faça isso comigo. Olhe não podemos terminar assim...
Silêncio.
-... Eu vou mudar, você vai ver. Nada disso irá se repetir. Te juro. Fale comigo. Juro que vou mudar...
Silêncio.
- Não posso continuar vivendo desse jeito. Fale comigo – grita desesperada.
Ele desliga o telefone.
Ela, ainda molhada, joga-se na cama, chora até pegar no sono.
Acorda com o telefone que toca.
Corre a atender.
Mas era engano.
Engano?
- Eu vou mudar – fala para si mesma – eu vou mudar. Repete esse mantra até voltar a cair no sono.
Acorda horas mais tarde, e vai para rua, precisa andar, precisa espairecer as ideias, precisa de ar, precisa ver-se livre de seus fantasmas e neuroses, precisa encontrá-lo de qualquer jeito.
Seus passos a levam ao shopping senta-se para um café, só agora percebe que ainda está em jejum. À mesa liga outra vez.
-Alô?
Nada.
Dessa vez ele nem se dá ao trabalho de atender, deve saber que é ela.
Tomado o café sai a andar sem rumo, move-se feito um zumbi, o olhar vazio, murmurando o mantra – Eu vou mudar, eu vou mudar, eu vou mudar...
Quadras à frente resolve fazer uma última ligação para ele. - Já basta de ficar rastejando. –Ao pronunciar tais palavras percebe que realmente está começando a mudar, e pela primeira vez em vários dias, sorri. Procura o celular na bolsa e não o encontra.
Ela esqueceu o aparelho na mesa do Café no shopping. Mas isso não importa mais, ela mudou, sim mudou e percebe que a mudança é benéfica, sorri mais uma vez. Agora ereta, com a cabeça erguida e altaneira segue a passos firmes para uma nova vida, livre da presença dele, da sombra dele, da necessidade de estar com ele. – Livre! - grita para si mesma, assustando as pessoas à sua volta. Ela ri da multidão que a cerca na rua, ela ri das noites mal dormidas, ela ri de suas lágrimas e seu pranto. Ela está livre da mulher que era até a poucas horas atrás.
Mas, lá na frente, quem é que lhe aparece abraçando outra mulher? Sim ele, ele que tem se recusado, não! evitado atender seus telefonemas, ele que a tem desprezado, ele que a tem levado às raias da loucura, ele.
- Mas quem é essa mulher? – ela se pergunta enquanto nervosamente arruma os cabelos. Tira os óculos de sol para melhor ver, compreender, entender o que está se passando. Como ele poderia fazer isso com ela? Era por isso que ele já não mais atendia a seus telefonemas...
Sentiu-se traída e inclinada ao homicídio, quando – Mas não poder ser! – diz sorrindo um sorriso histérico, nervoso e psicótico. Ela esconde-se do casal, entra num bar, senta-se numa mesa atrás das grandes janelas de vidro fume e vê a mulher que o acompanha. Ela, primeiro sorri, depois loucamente começa a gargalhar e a gritar. – Eu disse que mudaria, eu disse que mudaria por ele – e chamando a atenção dos garçons e fregueses, começa falar feito uma possessa:
– Olhem lá, ele está comigo, olhem lá o meu namorado com a nova “Eu”, vejam, vejam! Eu mudei, vejam como eu mudei!
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