A porta: roberto feliciano
- cafe & outras palavras
- 25 de set. de 2019
- 2 min de leitura

Todos os dias eu o vejo passar aqui em frente. Não consigo lembrar se estudei com ele no primeiro ou segundo ano do ensino médio. O fato é que ele era o cara mais “deslocado” de toda a turma. E é claro que sofria muito por causa disso. Eu me lembro do nome dele, mas é irrelevante aqui. Vejo-o passar todos os dias voltando do trabalho, com seu uniforme de uma grande multinacional qualquer.
E ele me faz pensar. Repensar.
Quais caminhos o trouxeram até o tal do momento presente? E quais foram os que eu, que me achava tão mais esperto naquela época, trilhei até agora? O que nos difere? Será que ele pensa nessas coisas? Será que ele me reconhece e pensa “que caminhos aquele cara que sentava no fundão e era um dos que tiravam sarro do meu jeito de ser traçou até chegar aqui”?
Bobagem minha.
Eu também tinha minhas esquisitices e motivos para que outros pegassem no meu pé. Ler O Mundo de Sofia com 15 anos parecia dar direito ao babaca metido a punk dos anos 90 de me chamar de veado. E eu nem mesmo tinha consciência e a presença de espírito que tenho hoje pra responder pra ele: “E mesmo se eu fosse qual o problema?”
Mas isso não me inocenta dos meus próprios pecados. E tampouco fez com que meu caminho fosse o melhor que eu poderia ter traçado. O que foi que aquele cara fera em redação durante todo o período do colegial fez de bom com isso? A escolha óbvia foi a faculdade de jornalismo. Mas, ainda assim, o que esse cara tão promissor fez com todo esse potencial? A mim, hoje, aqui dessa porta maldita, me parece que existe uma sala em que cada uma das nossas promessas é um pedaço de papel. Minha sala está abarrotada de papéis em branco.
O que teria acontecido se eu tivesse aceitado ir à festa na casa da chefe durante meu estágio no grande jornal, como amigos diziam que eu deveria ter feito para garantir uma continuidade na vaga pós-estágio? Será que teria adiantado? Será que eu me sentiria mais realizado?
Ou será que teria sido melhor me dedicar um pouco mais àquela oportunidade oferecida por um colega de faculdade, pra ocupar a vaga deixada por ele em um site esportivo? Será que se eu tivesse pego a vaga a sensação de que eu sou um bosta-sem-força-de-vontade aos olhos dos outros seria menor? Eu não sei.
Assim como não sei por que o olhar dos outros me incomoda tanto. Mas o fato é que incomoda. Se eu quero mudar isso? Claro, porra! Mas eu não consigo fugir nunca do fato de que as escolhas do passado já estão tomadas e eu preciso me concentrar nas do futuro. É difícil, é um passo de cada vez, mas é vagaroso demais.
Por enquanto fico aqui na porta. Imaginando, invejando, cultivando um rancor que não me faz bem de jeito nenhum. Não é culpa de ninguém, não é culpa do mundo, não é culpa nem mesmo minha, se eu for parar pra pensar.
As coisas são assim.
Boa tarde, posso ajudá-lo?
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