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A queda: roberto feliciano

  • Foto do escritor: cafe & outras palavras
    cafe & outras palavras
  • 13 de ago. de 2019
  • 3 min de leitura



Acordo. Ao abrir os olhos percebo que não estou na escuridão total. Um breu esfumaçado me confunde um pouco a visão no começo, mas enxergo. Tento me mexer e uma dor aguda me atinge as costas. Não consigo me levantar por mais que eu tente que me esforce. Só consigo esticar os braços para o lado. Estou satisfeito por conseguir respirar, mesmo que um cheiro azedo agride minhas narinas e meus pulmões.

As pontas de quatro dos meus dedos da mão sentem a superfície áspera e extremamente seca de alguma coisa. Eu mal sinto meu braço direito pra poder levantar seja lá o que isso seja. Reúno forças que não sabia que eu tinha e ergo essa coisa para a altura dos meus olhos. Nesse momento eu já consigo ao menos girar alguns graus da minha cabeça.

Um sobressalto entra pela minha boca semiaberta e se transforma em um pavor congelante que eu nunca havia sentido antes. Arma engatilhada na minha testa, batida em alta velocidade, nada foi pior do que eu senti naquele instante. Aquela figura, aquilo, que eu nem sabia se poderia chamar de objeto, me transformou em uma criança com medo de monstros debaixo da cama.

Reuni forças para ao menos me sentar. A boca seca, o cabelo teimando em cair nos olhos. A dor misturada ao desespero começou a me fazer tremer e, embora a atmosfera fosse gélida, não era o frio que me transtornava. Olhei em volta e até onde não conseguia mais olhar, réplicas e mais réplicas daquilo forravam o chão onde eu estava.

Respirei fundo toda aquela podridão e não conseguia entender. Tentei refazer meus últimos passos sem conseguir pensar direito. Como não lembrava? Como fui parar ali?

Então me lembrei!

Beatriz. Ela estava comigo. É lógico que ela estava comigo. Ela deveria estar ali comigo. Olhei em volta, mas não conseguia enxergar nada além do que aquilo que estava ali ao meu lado. Consegui reunir mais alguma força, levantei e comecei a andar em frente. Chamava por Beatriz, a princípio com a voz débil e passos cambaleantes, depois com um pouco mais de força e, por fim, gritando. Um grito que não me adiantava em nada e só me deixava ainda mais fraco e sem voz. Até que eu enxerguei o paredão de pedra.

O frio estava ainda mais cruel ali. O paredão me deixou apavorado. Parecia inexpugnável, intransponível, inexplicável. Quanto mais eu tentasse enxergar o topo, mais a tontura me dominava e olhar pra cima se tornou impossível. Gritei uma última vez por Beatriz, mas com a certeza de que ninguém me ouvia.

De algum modo ficou claro pra mim que foi lá de cima que vim. Não sei como e não consigo me lembrar do motivo. Talvez Beatriz ainda estivesse lá, seja lá onde for que estivesse o cume daquela muralha. Não adiantaria nada, pois meu grito rasgado e desesperado não chegaria nem mesmo de forma débil a seus ouvidos. Ou será que Beatriz também caiu. Olhei em volta e comecei a pensar que talvez fosse possível que Bia estivesse por ali, camuflada no meio daquilo tudo. A ânsia de vômito foi inevitável, mas só veio a bile. Nada no estômago, nada na cabeça, nada no coração. Comecei a perceber que logo não teria nada nos pulmões.

É assim que é? Um momento em que pouco importa se Beatriz caiu ou não comigo, uma sensação de que tudo o que é nojento a partir de agora seria meu lar. Beatriz caiu, Beatriz não caiu, Beatriz caiu, Beatriz não caiu.

Beatriz não havia caído!

A dor nas costas voltou mais intensa. O cheio ocre se intensifica à medida que entra bem menos oxigênio pelas minhas narinas, que estão sangrando nesse momento. Meus olhos vermelhos insistem em procurar. O que? Quem? Não sei... Tá difícil... de raciocinar... Beatriz... Minha casa... Isso aqui... Eu não mereço... Eu não quero... Eu... não... quero... ser... um... deles...

1 comentário


rpjbarbosa
13 de ago. de 2019

Assim disse a Colaboradora Alice:

"Acabei de ler e nossa... nossa... nossa... é do caralho mesmo. "

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