A situação política hoje e os riscos de ficarmos calados: frederico romanoff
- Cafe e outras Palavras
- 2 de jun. de 2020
- 4 min de leitura

A situação política no Brasil parece estar caminhando para um lugar mais autoritário do que aquele que foi revelado junto às eleições de 2018. O governo, desde meados de Março, tem protagonizado momentos deselegantes para a política nacional, justamente em um momento que todos deveríamos nos mobilizar para melhor enfrentar a ameaça do vírus. Os meios de televisão cumprem um papel de denúncia agindo, de um lado, como instrumento de interesse de uma burguesia liberal na economia e em parte conservadora nos costumes (como é iminente neste estrato social) e por outro lado cumprindo um papel de denúncia importante ante os abusos do governo, como a troca de dois ministros da saúde em contexto pandêmico sem razões palpáveis aparentes.
Minha preocupação particularmente é referente as notícias desta semana, última semana de maio, em que aparentemente grupos ultraconservadores tem demonstrado sua existência e proclamado suas ideias. Não é segredo que os representantes máximos deste governo, bem como o clã Bolsonaro composto pelo próprio presidente e seus filhos, são simpáticos a política armamentista e aos ideais conservadores típicos de um sistema político autoritário, afinal o presidente se elegeu defendendo essas ideias.
O momento delicado da saúde pública mundial e particularmente do Brasil que hoje assume a triste posição de quarto lugar no mundo de países com o maior número de mortes, é ao mesmo tempo o momento que esses grupos resolvem fortalecer a sua presença no espaço público. Acredito que cabe a nós, ou melhor, aqueles responsáveis para com ideais verdadeiramente democráticos, que acusemos esse tipo de agrupamento quando ainda é tempo. Não podemos esquecer que na história moderna oficial o maior exemplo de ações de grupos ultraconservadores, eugenistas acabou provocando o Holocausto que ficou como exemplo daquilo que devemos nos posicionar veemente contra. O que ganham esses grupos atuais resgatando símbolos que foram usados durante aquele período pelos nazistas?
O resgate de elementos simbólicos na história a meu ver deve obedecer a uma perspectiva de acúmulo progressista, com o olhar para frente e não retrógrado. A banalidade do mal como escreve Hannah Arendt continua presente nos nossos dias. A gente não pode esquecer que o Holocausto, as grandes guerras, o genocídio dos povos indígenas e do povo negro não está no passado… eles continuam ecoando hoje em dia e mostram as suas guerras em alguns desses casos na sociedade atual. Quanto um animal põe as garras para fora é nosso dever apontar, antes que seja tarde e ele nos ataque.
Alguns ao lerem esse texto vão dizer que o governo nunca se associaria a esse tipo de discurso ultraconservador, eugenista, questão que eu não entendo… se a gente for resgatar a campanha do presidente muitos desses elementos foram mobilizados. Para além do discurso anticorrupção e pelo Brasil grande de novo, havia um forte tom subjacente de desrespeito às minorias pelo incentivo ao poder armado. Os relatos de tortura disponíveis nos anais da história a respeito do período ditatorial no Brasil são terríveis. E é justamente valorizando este período obscuro da história brasileira que o governo atual foi eleito. Eu já ouvi presencialmente por alguns minutos da minha vida o terror narrado pelas vítimas de tortura deste período que até hoje sentem as dores causadas pelo Estado e que tiverem em seu braço executor o exército brasileiro.
Os grupos conservadores podem falar da violência no Brasil, da tortura que os bandidos brasileiros podem ter provocado às famílias trabalhadoras, mas é importante colocar que a bandidagem brasileira não foi uma política de Estado arquitetada pelo poder. Pelo contrário, as causas são outras e eu particularmente identifico na brutal desigualdade brasileira o elemento principal que deságua na violência também característica do Brasil. Eu acredito sim que a questão da violência no Brasil precisa ser encarada, só não acho que a resposta é mais violência.
Tristemente desde o impeachment (ou golpe) de 2016 que o Brasil se dividiu em dois e parece que essas partes não conseguem conversar para nada. Podíamos usar esse período de pandemia para tentar um diálogo, mas me parece que a julgar pelos últimos acontecimentos no espaço público brasileiro, esse diálogo está cada vez mais distante, infelizmente.
Cabe a nossa vigilância e denunciar, enquanto há tempo. Não quero ser alarmista e ao mesmo tempo sei que as palavras carregam uma força em si, mas se a situação as usa para fins sombrios cabe àqueles que cultivam o sentimento de responsabilidade social, embalados por um sentimento democrático, utilizá-las a este fim, para a liberdade democrática, a verdade e a justiça social.
Devemos trabalhar na construção de um mundo onde as liberdades democráticas sejam a pedra fundamental e onde as pessoas vivam com dignidade e a diversidade seja respeitada. Os colapsos já se anunciam o que antes era colocado pela comunidade científica, por parte da comunidade religiosa e pela classe artística, e rejeitada por grande parte da classe política mundial, hoje faz parte do nosso dia-a-dia. O meio-ambiente, para além de disputas políticas, pede socorro. Devemos olhar para os nossos irmãos e nos reconhecermos neles. O outro também faz parte de quem eu sou com suas luzes e sombras. Talvez acabar com o puritanismo nas disputas políticas possa nos fazer enxergar a realidade mais abertamente, é claro que nós nunca vamos ter a visão do todo, mas criar espaços de diálogo já pode ajudar.
Enfim, escrevo esse texto para mim também, como um exercício reflexivo. Por mais que nós não queiramos necessariamente fazer política, o nosso viver é político, a forma como nos colocamos no mundo, como nos relacionamos, como interpretamos os acontecimentos do dia-a-dia não dá pra escapar disso...
Orai, falai e vigiai.
Não tenho que gostar de ti ou de como escreves. Não tenho que concordar com tuas idéias ou muito menos, achá-lo bonito! Mas tenho por princípio civilizatório, respeitá-lo!
Como claramente expresso pelo texto, o espaço público, bem como aquele que o gere, deve o fazê-lo para todos, maiorias e minorias.
Para isto, tanto no macro como no âmbito individual, o que nos cabe é o incessante exercício do ouvir.
Democracia se faz com dois ouvidos, nunca com duas línguas... isto já seria outra coisa!
Parabéns pela crônica.
Comentário de nosso colaborador:
Marcelo Lemos
Gostei da delicadeza e elegância do texto.
Parabéns à Revista.
R. Fedler