Ansiosaudade: roberto feliciano
- cafe & outras palavras
- 14 de ago. de 2019
- 2 min de leitura

A estrada é repleta de saudade e ansiedade.
Ansiedade. Saudade.
E o maior obstáculo é me dar conta de que ninguém vai corrigir a rota ou melhorar minha trajetória daqui pra frente. A não ser eu mesmo.
Houve um tempo em que acordar e encarar o teto branco era uma tentativa de prever o que viria pela frente, planejar, projetar. O dia, a semana, o mês. Hoje olho apenas para um retrato rasurado de minhas imperfeições e oscilações, dos erros que cometi e continuo cometendo.
E sonho. Sonho com o que passou. Em um piscar de olhos volto a ter 10, 15, 18 ou 25 anos. Não sei se é saudosismo. Estou na minha antiga rua, no colégio, na faculdade, em um trabalho que tinha tudo para dar certo. O que eu não consigo nesse sonho é enxergar onde é que foi.
Hoje, levantar da cama é difícil. Fisicamente, claro. As minhas costas doem o tempo todo e eu ainda não sei o que isso significa. Mas, mais do que isso, há algo de estranho no movimento de girar as pernas para fora da cama enquanto meu tronco se inclina deixando o lençol escorregar. Adoraria acreditar que a maneira como deixei os chinelos na noite anterior é capaz de ditar como será meu dia.
Mas os chinelos não indicam nada.
Tudo não passa de uma repetição de tediosos movimentos programados. Até as saídas do trajeto são minuciosamente calculadas.
E lá vou eu de novo, brasileiro que não desiste nunca, com muito orgulho, com muito amor, para mais um dia. Acorda, escova os dentes, toma café, lê alguma coisa, almoça, toma banho, vai para o trabalho, volta, vê TV em vez de uma série da Netflix, lê mais um pouco, fica de frente para o computador, consome lixo descartável atrás de lixo descartável e escreve alguma coisa. Geralmente, mais lixo descartável.
O que posso fazer para ser diferente?
Essa pergunta estúpida é uma variação de muitas outras que me faço todos os dias. No fundo, espero uma resposta que venha de fora. Estagnado, perdido, inútil e fracassado. A sensação é forte e presente o tempo todo, na conversa com o amigo que faz o que gosta no atendimento a um cliente que está passeando num sábado à tarde. Dou risada, faço piada ruim, finjo saber o que estou fazendo e que sou intelectualmente superior.
Mas a quem quero enganar?
Ninguém vai me dar a resposta que eu espero. Ninguém vai me dar resposta nenhuma. Jovens sonhadores se transformam em adultos pragmáticos para não serem engolidos. Ideias e projetos se transformam em conversas saudosistas de bar que pego pela metade, porque só participo delas mais tarde, quando finalmente saio do trabalho.
Amanhã é outro dia. E vou olhar com olhos de rancor quem não tem culpa, me sensibilizar com qualquer gesto bonito, com uma música que não escuto faz tempo. Dar risada quando escutar uma besteira, perguntar o placar do jogo que não vou poder ver, beber água, comer dois pães com recheio gorduroso de lanche. Vou tentar ser eu mesmo – e falhar miseravelmente.
Porque eu mesmo me perdi em algum ponto dessa estrada. E só olhar pelo retrovisor não vai adiantar nada.
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