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Dançar sem dançar : roberto feliciano

  • Foto do escritor: cafe & outras palavras
    cafe & outras palavras
  • 16 de mai. de 2019
  • 3 min de leitura

Atualizado: 17 de mai. de 2019

Eu sempre gostei de dançar.

É claro que quem me conhece sabe que, do ponto de vista literal, essa frase não podia ser mais mentirosa.

Mas, sob uma ótica, digamos mais poética, eu diria que sim. Eu sempre gostei de dançar. E digo mais: sempre fui um dançarino de mãos (ou pés) cheias.

O forró que sempre tocava nas festas da casa da minha avó quando eu era criança sempre foi motivo de congregação. Todos se reuniam no pátio da parte de trás da casa e dançavam noite adentro. Chão de terra, teto estrelado e muitas risadas. Eu ficava sentado num canto, olhando pais, tios, tias e convidados se divertirem, rirem, suarem.

É o tipo de coisa que molda o caráter do sujeito.

Eu sempre dancei junto, sem nunca dançar. Ficava ao redor. Nesse momento a minha brincadeira era olhar aqueles pares curtindo a música de Dominguinhos, Luiz Gonzaga e tantos outros.

Eu nem tinha a pretensão de me juntar nessa valsa popular. Era gostoso só ficar olhando e sendo contagiado por aquele clima.

De certa maneira, com o passar dos anos eu me acostumei a dançar sem dançar. Quando meu pai entrava em greve e ia para as manifestações, eu me sentia com ele lá. Ele chegava e contava como tinha sido e eu ficava satisfeito com a minha própria presença ali com ele, pedindo por melhores salários pra ele e pra sua categoria.

Quando estou no estádio de futebol, o gol gritado só tem graça se for junto com outros milhares de gritos e lágrimas de felicidade. Não foram poucas as vezes em que eu me peguei olhando para um determinado companheiro de sofrimento pra acompanhar por um tempo o seu infortúnio com nosso time. A grande emoção da hora do gol não seria nada se o estádio não tivesse outros milhares de pessoas gritando, chorando, se abraçando. Isso é o que há de mais bonito em se estar por aqui.

Em shows, eu não via graça em pular ao som da banda. Eu preferia olhar para o palco e tentar perceber alguma coisa na emoção com que os integrantes da banda tocavam aquele momento.

Sempre gostei de olhar em volta. Imaginar a história daqueles que estavam ao meu redor e os caminhos que percorreram até chegarem àquele momento. Quantos casais não se formaram ao meu lado?

Alguns podem achar que é um problema meu. Talvez até seja, realmente. Gostar tanto assim de ser espectador pode ser um sinal claro de comodismo, covardia ou falta de ambição.

Claro que dançar sem dançar tem seu lado ruim. Eu costumava escrever, quase duas décadas atrás, sobre sofrimento. Relatava em longos textos, que viraram grandes cadernos manuscritos, o quanto minha alma era perturbada por amores não correspondidos, ausência de grana pra tomar uma cerveja no bar ou sobre como sofríamos nós, os jovens de quase 20 anos, por estarmos perdidos em um mundo que não nos compreendia.

Isso também é dançar sem dançar.

Porque o que eu escrevia valia apenas como exercício de escrita de uma mente jovem e levemente perturbada quase sem motivo, exceto aqueles que perturbam as mentes de qualquer jovem em qualquer parte do mundo. Eu escrevia sobre sofrimento sem realmente saber o que é sofrer, sobre o que é realmente se encontrar em uma situação da qual você não enxerga saída fácil.

Quando percebi que certas dores calam nossas palavras foi um choque. Não que eu não escreva sobre o que me dói hoje, mas me sinto menos visceral, compartilhando metáforas e sutilezas para não assustar o interlocutor. E pra que ele dance comigo, mas sem dançar.




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