Dia nublado: roberto feliciano
- cafe & outras palavras
- 18 de nov. de 2019
- 1 min de leitura

Amaram-se daquela vez não como se fosse a última, mas justamente por terem certeza que era a última. Duas criaturas cheias de dificuldades para imprimir sofreguidão ao encontro de seus corpos, esforçando-se em demasia ao menos nesse rito de despedida. Sabiam que o trem partiria em menos de oito horas.
Rezaram cada um a seus deuses e mergulharam em não tão lindas ou calmas águas de desejo e fúria apaixonada. Roupas arrancadas, suor ofegante, beijos esfomeados. Deitaram-se um sobre o outro sem se importarem com mais nada no mundo ou com a ordem natural das coisas.
Não. Não se amaram porque isso é coisa de novela das seis. Se consumiram, se usaram, se potencializaram. Cada um sabendo onde tocar, o que não falar e até mesmo quando gritar. Duas almas inocentes prestes a serem expulsas do paraíso. E com as malas prontas.
Súplicas, murmúrios e arroubos de brutalidade. Ora de um, ora de outro. Havia um tácito acordo de não se submeterem na mesma medida em que não poderiam exigir submissão alguma. Não haveria vencedores e ao mesmo tempo não tinha como nenhum dos dois sair derrotado daquele jogo.
E quando bateu aquela hora, aquela maldita hora, não sorriam. Nenhum maldito passarinho cantava e nem o sol entrava pela janela. Nublou-se o dia, a semana, o mês. O primeiro trem fez estremecer a casinha pequena. Despediram-se no segundo, sem festa, juras de amor ou promessas de retorno.
Pouco, possivelmente quase nada, podia ser feito.
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