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Impostor: roberto feliciano

  • Foto do escritor: cafe & outras palavras
    cafe & outras palavras
  • 7 de out. de 2019
  • 3 min de leitura

Atualizado: 9 de out. de 2019


– Por favor, aplaudam agora o escritor Renato Silva

Esse é meu nome. É a única coisa que eu sei que é minha mesmo. Eu dou um passo. Depois outro e mais outro. E chego ao lugar no palco que é destinado a mim. Aplausos. Muitos. E embora eu saiba intimamente estabelecer a relação entre duas variáveis, eu demoro um microssegundo pra entender que são pra mim.

Será que eles não percebem?

Meu editor disse: “Best-seller, Renatinho. Best-seller”. E eu sequer poderia dizer que estava pouco me fodendo para aquilo tudo. Sorria amarelo enquanto ele me dizia que o livro foi um sucesso, que apresentadores de programas matutinos me queriam em seus programas. Ele ria, gargalhava quando eu respondia que odeio acordar cedo. Não entendia qual a graça.

Agora eu tenho aqui uma platéia. Minha primeira platéia. O lugar está cheio. Ou parece estar. A luz que me ilumina também me cega em parte. Como enxergá-los com essa luz na minha cara. Tenho vontade de gritar que ninguém entendeu nada, que tudo aquilo era uma grande porcaria, baboseira sentimentalóide sem importância nenhuma. Muitos amigos meus fazem coisas muito mais importantes e nunca terão a chance de chegar às prateleiras.

Sorrio um sorriso que parece ser timidez, mas é puro constrangimento concentrado, enquanto o mediador apresenta meu currículo e fala do quanto meu livro dá um fôlego novo para a literatura nacional e diz quanto se emocionou nos dois últimos capítulos. Se ele soubesse…

Foi então que eu a vi. A bolsa no colo, cabelos soltos sobre o ombro, sorriso intermitente. Quase pude sentir o perfume de jasmim. Quanto tempo fazia? 6 meses? 1 ano? Mais? Sorri, agora sim timidamente e ela deu um tchauzinho também tímido.

E enquanto eu começava a falar pra aquele monte de gente que não tinha entendido nada, eu olhava pra ela e me lembrava. Três anos se passaram desde que eu tinha escrito o primeiro parágrafo do meu primeiro romance.

– Vai. Escreve agora

– Não é assim!

– É assim sim. Escreve agora o primeiro parágrafo. Você já tem a ideia, tá louco de vontade, mas fica aí sentindo pena de si mesmo achando que não vai conseguir.

Ficamos duas horas nisso até que saiu o maldito primeiro parágrafo, que hoje todo mundo diz que é espetacular e compara com o de diversos livros bem melhores e mais importantes que o meu. Será que dariam mais ou menos valor se soubessem que foi escrito numa mesa qualquer do Subway que tem do lado do meu antigo trampo, entre meu B.M.T e o Vegetariano dela?

Mas de repente eu não estou mais constrangido. De repente eu não sinto mais vergonha por estar enganando aquela platéia. Nos olhos de Cecília eu encontrei novamente força. Se antes, esse brilho havia me dito que eu deveria insistir para que um dia em dissesse de boca cheia que sou um escritor, agora eles me gritavam: “vai, defende teu livro, defende tua história. Defende o que a gente fez junto”

Se eu disser que parte do livro é coisa dela, ela vai ficar brava e é capaz até de deixar o debate no meio. Sempre gostou de ser anônima e eu aprendi a respeitar isso. Quanto tempo fazia? Uma semana? Duas no máximo? Ela sorria quando eu falava sobre passagens da construção daquela história que ela viveu. Ria das piadas sem graça, ria do meu embaraço vez ou outra. E eu fui tomando gosto pela coisa, respondendo um e outro, refutando teorias, aceitando elogios, mas ainda incomodado com o uso de palavras como genial e etcétera e tal.

Quando olhei de novo ela não estava mais lá. Uma senhora de grossos óculos e roupa sóbria é que ocupava aquele lugar. Senti um nó na garganta que há tempos não sentia. Senti o aperto no peito que senti no dia em que percebi que ela tinha ido embora.

Eu continuo me achando uma fraude. Das boas. Mas ali, naquele palco pequeno, com aquelas luzes voltadas todas pra mim, com aquelas lembranças e com aquelas pessoas todas querendo escutar o que eu tinha pra dizer eu finalmente entendi…

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