Livro com história: roberto feliciano
- cafe & outras palavras
- 22 de out. de 2019
- 2 min de leitura

Já reparou como livro novo é um saco, cara? Aquela coisa entediante, sem história.
É como esses carinhas de rostinho simétrico, sabe? Barbinha sempre feita, não tem uma porra de uma ruga. Não tem uma merda de uma cicatriz. Roupinha passada, cabelo milimetricamente despenteado. Ou então é como essas gurias: a unha perfeita, não tem um indício de cutícula ruída. Cabelinho escorrido até o meio das costas. Porra, cara. Lindo de ver. Mas uma coisa sem graça que só no dia-a-dia.
O único tesão de ganhar um livro novo é sabê-lo todo seu, para seu deleite. É saber que é você que vai brincar seus dedos e olhos por ele. Que é você que vai descobri-lo. Se estiver no plástico, tanto melhor. O prazer de torná-lo marcado pelo tempo, pela vida, pelos olhos, é inebriante.
Livro tem que ter história, cara. Aquela capa meio marcada. De preferência com marca de caneta, com anotação de alguma conta que você fez meio despretensiosamente no meio de uma noite de pizza, vinho e cigarro. Anota aí: meia pepperoni, meia portuguesa. Tem alguma coisa pra apoiar. Apoia aqui.
Tem que ter mancha de dedo, de café, de sangue (lembra da cutícula roída?). Gera briga. Você marcou com a orelha? Porra, eu ia marcar com o que? Coloca qualquer coisa, agora estragou essa merda. Livro com história não se ofende de ser chamado de "essa merda". É carinhoso. Ele sabe que é mais importante que isso e vê que é só da boca pra fora, porque quando chegou à página 123 só faltou você colocá-lo em um altar de tanto que amou o que ele te disse ali.
E não podem faltar aquelas páginas meio marcadas. Tem que ter aquele miolo, onde fica a cola ou a costura, quebrado. Pra ser fácil de abrir naquele ponto que fez teu coração sangrar, teus olhos molharem ou tua boca gargalhar. Um livro novinho, cheirando a caixa da editora não te faz sangrar, chorar ou sorrir. Te causa no máximo um sorriso amarelo. Um "queria tanto" ou "Adorei. Mas não precisava".
Já um livro com história, meu irmão, pelo amor de Deus! É muito "cara, você precisa ler isso" ou "achei esse trecho aqui a tua cara. Até sublinhei". Que delícia que é ouvir um "espera, deixa eu ver se não tem nada meu aqui", seguido sempre de uma conta de telefone ou um guardanapo com anotações de alguma ideia, que quem sabe algum dia pode virar um livro novo sem graça que depois vai ficar usado e gasto pelo tempo..
Porque todos eles, inevitável e inadvertidamente, acabam tendo a sua própria história.
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