Sobre o desapego: roberto feliciano
- cafe & outras palavras
- 19 de set. de 2019
- 3 min de leitura

Encaro a caixa aberta, ainda vazia. Decidi que ela só vai sair de onde está, do lado da minha mesa, quando estiver cheia. Carregada de coisas das quais quero (está mais para preciso) me desfazer.
Desde quando eu me lembro, sempre fui acumulador. Na infância, juntava santinhos de políticos durante as eleições. Dois dias depois do pleito, minha mãe jogava tudo fora. E sempre odiei me livrar dos brinquedos quebrados — tinha um cesto cheio deles.
Veio a adolescência e, com ela, os gibis, fitas K-7, CDs e revistas que eu nem poderia comprar com a idade que tinha. Aí a MTV chegou na minha cidade e passei a colecionar pilhas e mais pilhas de fitas VHS com clipes, shows e até filmes gravados (em EP, lógico, para render 6 horas).
Também tenho memorabília dos tempos de faculdade, quando a versão que tínhamos do WhatsApp era a última folha do caderno, que ia e voltava da mesa da colega sentada ao lado. Guardo também todas as cartas, bilhetes e cartões de ex-namoradas. Um dos mais antigos, para o qual olho agora, diz:
“Feliz dia dos namorados para a pessoa mais carinhosa que o mundo já conheceu”
Aí você abre e lê:
“Ei… Espere um pouco! Como o mundo sabe que você é uma pessoa carinhosa?”
Isso já tem mais de 20 anos.
Enfim, eu acho que isso dá o tom do quão grave é meu quadro. Isso e as dezenas de edições da Rolling Stone que eu comprei mês a mês até o ano passado, mesmo tendo parado de ler a revista em 2011.
Mas como eu ia dizendo… a caixa!
Ela está aqui para que eu comece. Olho para o porta CDs. Será que preciso mesmo daquela coletânea de revista do B.B King ou daquele do Nando Reis que achei chato pra cacete? Meu Deus, eu comprei o disco do Cogumelo Plutão! Pode ser por aí a “escada da minha subida” rumo ao céu do destralhe.
Desvio o olhar rapidamente e vejo a caixa com jornais velhos. A morte de George Harrison, a primeira matéria da Folha sobre os Strokes, as mortes de Joey, Johnny e Dee Dee Ramone. Nossa, espreme que sai sangue. Posso começar a me livrar dessas memórias tristes.
Próximo item desse leilão solitário: as graphic novels (ei, o que aquela garrafa de vinho está fazendo ali?). Allan Moore, Eisner, Crumb, Mutarelli. Não. Aqui doeria demais. “Leave my gibis alone”.
Chego aos livros e começo a tremer só de pensar. Mas é aí que me lembro de um trunfo: há menos de seis meses, na última arrumação da estante, me livrei de 40 livros. QUARENTA! 10% do que tinha foi-se embora. Não, não está na hora de mexer nessa ferida novamente (mesmo sabendo que 30 deles ainda estão aqui, em uma caixa, esperando que eu decida para onde vão agora).
Mas o desapego é importante. Está lá, na minha lista imaginária de coisas que quero (está mais para preciso) fazer em 2017. Muitas revistas também já foram e tantas outras estão na mira. Juro que algumas delas até me olham com tristeza. Lady Gaga, na edição de julho de 2011 da RS, está particularmente triste. Deve estar pensando: “eu seria a próxima”.
Talvez eu comece pela caixa das recordações. A lata do refrigerante chileno de papaya, as dezenas de credenciais de congressos estudantis, um colar havaiano do qual não consigo puxar recordação nenhuma (o que talvez seja bom). Olha, meu RG antigo. Ah, essa versão magra de mim!
Desisto. Por ora, acho que vou desapegar mesmo é desse texto. Deixar para lá, “let it go” e afins… Eu sou mesmo a pessoa mais acumuladora que o mundo já conheceu.
Ei… Espere um pouco! Como o mundo sabe que eu sou uma pessoa acumuladora?
Puts… e ainda me esqueci dos DVDs!
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