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Tridente de menta: roberto feliciano (2º parte da trilogia)

  • Foto do escritor: cafe & outras palavras
    cafe & outras palavras
  • 23 de set. de 2019
  • 2 min de leitura


Eu nunca entendi você direito. O jeito como me olhava e as coisas que me dizia, como se não fizesse a menor diferença se estava ou não ao meu lado. Você sempre estava. Quando brigávamos por besteira, eu sempre ficava com a sensação de que era melhor isso do que não estarmos próximos, não nos falarmos. Você sempre foi uma pessoa muito mais descolada do que eu e sempre teve ideias melhores a respeito do que quer que fosse. E eu, com um copo de Coca-Cola na mão, ficava olhando tua eloquência de bar, teus cabelos bagunçados e teu sorriso debochado. Aí um dia a gente saiu do bar e você precisava ir ao mercado comprar comida para o cachorro. Fui pensando que se tratava apenas de comprar comida para o cachorro. Você falava devagar, andava devagar e sorria devagar. Me explicou mais uma vez os motivos para não gostar da minha banda favorita e o que gostava em mim. Dizia que meu senso de justiça sempre foi afiado. E eu gostei e assimilei o elogio, mas nunca achei que esse fosse o melhor de mim. Só que àquela altura, se você estava dizendo, é porque deveria ser verdade. Na volta para o bar a gente estava andando tão devagar, mas tão devagar, que em algum momento nós naturalmente paramos. Paramos em frente a uma casa de muro baixo, você tentando me explicar o que aconteceu daquela vez em que simplesmente sumiu depois que eu pedi para você ficar. Era sempre assim, passávamos uma semana nos entendendo bem pra caralho e você, no último dia, fazia alguma coisa que me empurrava pra longe. Era o momento de você admitir que fazia de propósito. Que sabotava a ideia de que pudéssemos dar certo. Você me olhou desafiadoramente nos olhos, sorrindo de um jeito sacana de quem sabe que a partir daquele ponto não haveria volta, não haveria boicote nenhum que separaria a gente. E toda a eletricidade que eu sentia percorrer o meu corpo quando você chegava bem perto de mim para dizer bom dia se elevou a níveis incalculáveis. Você pegou minha mão e colocou na sua cintura, um gesto que eu jamais vou me esquecer, e pediu que eu me acalmasse, como se você tivesse um estetoscópio natural que medisse o ritmo dos batimentos cardíacos dessa pobre criatura. E foi só quando você chegou ainda mais perto e eu senti o cheiro do teu Trident de menta é que percebi que eu não voltaria (e nem queria) mais para o bar naquela noite.

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