Versões de café: alexandre costa
- Cafe e outras Palavras
- 18 de mar. de 2020
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Bip, bip, bip, cantou o micro-ondas no meu ouvido, café mexido só com leite, sem açúcar. A mão invade o espaço do copo e derrama sobre a pia o meu café da manhã, meu líquido sagrado, susto?, foi o micro-ondas o culpado, culpado da minha mão tola, que invadiu o espaço entre o meu desejo de café e minha falta de destreza, derrubando todo o líquido na pia gelada.
Acordei naquela manhã fria, cobertor nos ombros, passos curtos dentro da meia, pantufa deslizando no porcelanato, olhos apertados. Precisei parar olhar ao redor, sentir as cores em todas as direções, perceber o caminho até a cozinha, o café, a vontade que já era um sequestro dentro mim. O aroma da manhã lambendo minhas narinas me convidando para alimentar meu corpo e minha alma. A prensa, a italiana, o coador, o solúvel, ‘as escolhas de Sofia’ a minha frente, e a vontade de tudo ao mesmo tempo.
Um desejo por dia, um café por dia, um livro por dia, tudo ao mesmo tempo na cozinha, dentro de mim, a pia gelada, a geladeira, o leite no micro-ondas, bip, bip, bip, cantou o micro-ondas atrás de mim, café na prensa pensei. Esperei a água chegar à temperatura certa, o leite já estava quente, o susto, o café no copo, minha mão tola e minha falta de destreza. A prensa fez seu trabalho, susto. O micro-ondas atrás de mim, culpado. O café esparramado sobre a pia gelada, a pantufa sobre o porcelanato, o aroma do café derramado, tudo ao mesmo tempo me confundia. E se isso tudo não for sobre mim, mas sobre o café, se for sobre as versões de café que tenho que escolher todas as manhãs? Susto, o micro-ondas atrás de mim, bip, bip, bip, a chaleira apita no fogão, a água na temperatura, a prensa, tudo ao mesmo tempo na cozinha. A pantufa deslizando sobre o chão frio, as escolhas que tenho que fazer. É tudo uma questão de escolha. O susto, como tapa na cara me acorda, olho em todas as direções e não vejo motivo para desistir agora. O café, ainda há um pouco na prensa, ainda há leite no copo, ainda posso alimentar meu corpo e minha alma. Mexo bem o demerara dentro do copo, levo o copo até a boca, mas antes me invade o aroma, antes do gosto, antes da língua saber o que está acontecendo, antes de tudo. Antes de tudo eu acordo naquela manhã fria e penso:
- Vou fazer um café!
Pantufas...
Conheço um sujeito que costumava me oferecer suas pantufas com a cabeça do gato Frajola... Essa imagem nunca mais me saiu da cabeça...
Bom conto, o conto que conta junto com café.
R. Fedler, esse leitor entusiasta dessa bela Revista.