Érica : roberto feliciano
- Cafe e outras Palavras
- 17 de mai. de 2019
- 3 min de leitura
Reencontrei Érica em uma fila qualquer. Ela estava na minha frente e por alguns segundos eu fiquei na dúvida se era mesmo ela. Foi algum gesto seu que me despertou a certeza, mesmo 15 anos depois.
– Com licença, moça. Esse suco aqui é de quê?
Ela olhou pra trás, a princípio sem expressão nenhuma no rosto. Mas, quando me viu, seus olhos mudaram. Ela ficou espantada e ainda assim completou a nossa piada interna.
– É de fruta. Certeza!
Nós rimos como se não estivéssemos esse tempo todo distantes. Nunca mais tínhamos nos visto. Cada um seguiu seu caminho depois daqueles meses de convívio escolar, sem traumas, sem encanações, mas com algo pendente.
– Nossa. Você não mudou nada!
– Já você mudou bastante. Adorei o cabelo.
– Ah, resolvi parar de alisar. Chega uma hora que a gente tem que tomar consciência de quem a gente é.
Não tive medo de demonstrar minha felicidade, pois meu sorriso não se desmanchava. Naquele momento eu realmente nem sequer me lembrava porque estava na fila. Só conseguia pensar em tudo o que tinha acontecido entre nós tanto tempo antes.
– E aí, me conta de você. Você estava pra fazer faculdade de Letras.
– Pois é. Fiz. Mas não exerço – respondi com um tom um pouco frustrado, que ela deve ter percebido.
– Ah, relaxa. Também faço hoje uma coisa completamente diferente do que estudei.
– Mas me conta: casou, teve filhos, casa na praia, viagem pra Disney?
Ela riu. Não. Ela deu uma gargalhada gostosa.
– O pior é que a resposta é sim pra todas essas perguntas. Casei. Tenho um casal de filhos, uma casa em São Sebastião e fui três vezes pra Disney. E você?
– Nunca fui pra Disney.
De novo aquela risada.
– Mas sério. Casei, tenho um filho e um dálmata. Não tenho casa na praia, até porque não sou do tipo de praia. Mas me separei, já faz três anos.
– Eu também. Há dois.
– Caramba. Que louco te encontrar por aqui.
– Na verdade vai ser mais comum agora. Me mudei pra cá.
– Sério?
– Sério. Sabe aquela quitanda de esquina?
– Como não? Um lugar que ainda tem uma quitanda hoje em dia é um lugar marcante.
– Moro em frente.
– Que bacana.
Para muito além da fila, continuamos conversando em um café. Falamos sobre tudo: o tempo, os filhos, o processo de separação de ambos, as carreiras bem ou malsucedidas e os filmes que tínhamos visto. Quinze anos se encurtaram de tal maneira que parecia que éramos vizinhos esse tempo todo.
Já tínhamos pedido a conta quando nos lembramos dos tempos de escola. Do quanto foi difícil ver que todo mundo era contra até mesmo a nossa amizade e de como não tínhamos nenhum controle sobre isso. Como éramos duas pessoas imaginativas, construímos ali mesmo o cenário do nosso primeiro beijo, concordamos que nossa primeira caminhada na beira do mar seria em um dia nublado. Discutimos sobre quem pagaria a conta no primeiro jantar e sobre qual música seria a primeira a tocar em nossa festa de casamento.
– Uau! Agora fomos longe demais.
– Por que na época a gente simplesmente não largou tudo?
– Você sabe que não dava. Todo mundo ia olhar torto pra gente.
– A gente se importava pra caralho com isso na época.
– Jovens!
– É que, agora, eu olho pra você, cada detalhe do seu rosto, do seu cabelo, desse vestido, das suas tatuagens. Porrada na alma, Érica! A maneira como separaram a gente, com intriga, com mentira.
– Depois de um tempo eu me dei conta disso.
– Eu pensava em você o tempo todo naqueles meses seguintes. Só consegui me recuperar bem muito tempo depois.

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