A praça: roberto prado
- Cafe e outras Palavras
- 15 de jan. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 16 de jan. de 2020

Meio-dia, sol a pino (só para constar e ilustrar o que se segue).
Saímos para o almoço munido de óculos de sol, erro crasso, deveríamos ter saído com óculos de sóis!
Explico.
O Alcaide, eleito pelo pasquim local, resolveu tornar nossa cidade uma réplica (alerta de ironia!) de novióqui trocando nossas calçadas de pedras portuguesas (desconhecedor de nossa gloriosa história colonialista, por (respirem fundo antes de continuarem lendo) cimento queimado, que em dias claros reflete a luz do sol e replica o seu calor; e em dias chuvosos, como na dita noviórqui, um rinque de patinação. Já vislumbro velhinhas quebrando tornozelos ali, e nas praças que sofrerão o mesmo processo noviorquização patrocinada pelo burgomestre.
Por hora, ou por intervenção divina, ainda resistem em meio a esse apocalipse urbano uma amendoeira ladeada por duas palmeiras imperiais (será esse o motivo de os ditos republicanos quererem acabar com elas? Cartas para redação!). As palmeiras seguem incólumes, pois levam bem a sério serem monarquistas, já a pobre amendoeira segue a sina de suportar verões africanos, invernos patéticos (quando inverno de faz nesse inferno que é a nossa região...), os implacáveis ventos noroeste e, indiferente às opiniões, soltam suas folhas...
Folhas essas que caídas no chão de “cimento queimado” não só mancham o piso, como, quando molhadas, tornam-se um verdadeiro sabão. (lembrem-se das velhinhas, lembrem-se delas!).
Imagino que seja, tudo isso, um projeto para a esculhambação total da nossa cidade.
Temo parecer paranoico aos olhos do leitor...
Ok, como sempre, divago.
Voltando ao segundo parágrafo, saíamos para almoçar, sob a canícula que faria o deserto de Danakil parecer Polo Sul numa tarde de outono. Com a mão direita cobríamos os olhos à altura das sobrancelhas, e com a mão esquerda abaixo dos olhos, e aquela claridade implacável à frente, uma luta perdida desde que saímos da repartição.
E cruzando a praça, sob a sombra da amendoeira vemos um casal de moradores em situação de rua (palavra politicamente correta para mendigos...), deitados numa cama feita de caixa de papelão, abraçados, ela com a cabeça sobre o peito dele, ele largado dormindo como um justo.
Pensei em fotografar, mas com tanta luz seria perda de tempo.
Almoçamos, tomamos café e, resignados com nosso azar nas loterias da vida, voltamos a trabalhar e deixamos tudo isso para trás.
Passada a tarde que puxava correntes, chegamos ao fim do expediente...
Na calçada em frente ao projeto futurístico-republicano-noviórquino (que ainda há de ser tombado como patrimônio histórico da estupidez humana! Guardem minhas palavras!) quando vejo o casal voltando.
Vem abraçado.
O colega ao lado comenta num misto de maldade e carinho:
- O amor lindo!
- Mesmo que cheire mal. – completa outro que descia escadas.
Vinham abraçados, de repente, ele a empurra para o lado, puxa-a de volta para si, e num ato de prestidigitação tira das roupas dela uma garrafa e torna a empurra-la. Nisso nós, na escadaria paramos nossas conversas e passamos a prestar mais atenção ao drama que se desenrolava à nossa frente.
Ela, empurrada segue para longe dele.
Ele corre atrás dela.
Ela, fazendo-se de difícil, reduz o passo.
Ele, Dom Juan da sujeira e do charme, a agarra.
Ela tenta, débil, fugir dele.
Ele, percebendo o jogo, a abraça.
Ela sucumbe, e deixa-se abraçar.
Ele a sacode, outra vez.
- Ela tem outra garrafa? – nos perguntamos trêmulos de emoção. Afinal são fatos da vida que não passam na TV e nem é manchete no pasquim que faz prefeitos nessa cidade.
Abraçados, e agora aos beijos, seguem para a marquise do prédio à nossa frente. Ela sai – aqui já imaginamos o pior novamente, mas volta logo – trás sob o braço o papelão, a cama, ninho de amor deles. Ele com pedaços de pano limpa o chão, ela estende o papelão, deitam-se, abraçam-se, a tarde cai...
KKKKKKKKKKKKKKKMUITO BOM