top of page

Último post sobre Fragmentos de Memórias - 2 de setembro de 1995, sábado. : roberto prado

  • Foto do escritor: cafe & outras palavras
    cafe & outras palavras
  • 11 de set. de 2019
  • 3 min de leitura



Munidos, cada um, com um saco de papel contendo, cada saco, um sanduíche de bife à milanesa, esse Bocó e o Vadinho atravessaram os portões do Pacaembu para assistirem ao show musical: Monstros do Rock.

A palhaçada [32] começou logo na entrada quando revistaram nosso saco de papel. Os dois lados ficaram constrangidos.

Entramos e – essa era a primeira vez que eu entrava num estádio de futebol na minha vida[33] - fiquei abismado com o tamanho do campo, e mais ainda com a quantidade de carpete que foi usado para “proteger” a grama.

Precisei de alguns minutos para conseguir me adaptar ao lugar; adaptado, veio medo.

Os roqueiros que vagavam por ali pareciam ser refugos de filme de terror B, à época [34] não estava acostumado a ver tanta gente com piercing... Mas o que lá estavam exageravam, pois tinham piercing subindo por todo o nariz, nas sobrancelhas, por toda a orelha, bêbados, tatuados, drogados, chapados...

- Filial do Inferno, filial do Inferno...

Passado o choque, fomos empurrados para o meio do campo pela turba que vinha atrás, e que parecia não ter fim.

Jamais me havia passado pela cabeça que um show de rock poderia ser assim, a minha ingenuidade tinha nos levado à outra roubada.

Não ficamos parados no mesmo lugar nem por um segundo, haja vista que a turba nos empurrava de lado para outro sem parar.

No palco o Rata Blanca tocava seu roquinho argentino, e abaixo, na grama a “fumaça” comia solta.

Nossa preocupação [35] era o cheiro de maconha que ficaria impregnado em nossa roupa, mas logo deixamos de nos preocupar com isso, pois a “paz” logo tomaria conta de nossas “paúras”.

Tudo isso aconteceu logo que chegamos, coisas de minutos, uns vinte no máximo.

Rata Blanca continuava no palco e nós procurávamos um lugar para nos escondermos.

O Vladimir reclamava que essa era outra roubada.

Bateu a fome e comemos, para espanto geral,[36] os sanduíches de bife à milanesa, frio, com a maionese escorrendo e o pão já borrachudo.

Bravamente suportamos aquelas misérias que vieram: Rata Blanca, Clawfinger, Virna Lisi, Paradise Lost, Therapy?, Megadeth, Faith No More. Não me lembro se foram necessariamente nessa ordem. [37]

Mas tudo tem um limite.

Ao anoitecer, soberanamente decidimos:

- Chega! Vamos embora. Desisto. – disse eu

- Então vamos... – concordou o Memorioso.

Saímos do estádio, mas da rua dava para ouvir o inferno rugindo lá dentro. Seguimos pela rua talvez um ou dois quarteirões, quando fiz ver ao Vadinho que eu esperava para assistir a um show de Alice Cooper [38] desde de meus dezessete anos, e essa poderia vir a ser minha última chance de vê-lo ao vivo, e mais:

- Vamos voltar – disse decidido.

- Então vamos... – concordou ele.

Voltamos à porta do estádio e começamos a correr atrás de um cambista. Graças a Deus vivemos nesse país maravilhoso [39] onde sabemos que sempre podemos trombar com a contravenção em qualquer lugar.

Comprei duas entradas, [40] cadeiras numeradas, cobertas! Quando sentei naquela cadeira – toda vez que conto isso eu me emociono – quase chorei de felicidade em ver uma moça de vestido e usando um colar de pérolas. Nós estávamos de volta ao seio da humanidade!

Pouco depois começou a apresentação do meu ídolo.

Alice Cooper entrou em cena, e um sujeito que estava ao nosso lado emprestou seu binóculo após segredar-me que só estava para ver o Ozzy.

Naquele momento todo o ridículo e reclamações que ouvi do Vadinho valeram a pena, estava vendo meu ídolo.

No momento que Alice começou a cantar No More Mr. Nice Guy, puxei o braço do Vadinho [41] e para meu espanto - e ignomínia eterna - o vejo dormindo sobre os bancos, cercado de copos de cerveja e restos de cachorros-quentes!

Nunca o perdoei por isso*.

Acabada a apresentação nada mais me prendia ali - afinal não iria assistir ao decadente ex-comedor de morcegos, gordo feito um símio do Ozzy. E acordando o Vadinho, viemos embora, dessa vez, prá valer.

Esse foi o nosso primeiro e último show de rock... [42]






[32] Armando Júnior que me perdoe por isso.

[33] E até o momento onde escrevo essas memórias, a última!

[34] E mesmo agora.

[35] Pequenos burgueses...

[36] Uns mais mal encarados viram como provocação pequeno burguesa.

[37] Estou velho, perdi as anotações e minha memória não vale uma nota de três reais.

[38] Para desgosto de minha mulher, tenho a discografia completa dele.

[39] Aqui o Autor está sendo irônico!

[40] A um preço extorsivo, pago com cheque sem fundos. Só agora, passados

tantos anos admito isso.

[41] De modo fraternal, fraternal vejam bem.

[42] Aqui o Autor penitencia-se por ter omitido os acontecimentos na ida e na volta da excursão. Há, será que é preciso dizer que fomos numa excursão de loucos & drogados?

Kommentare


©2019 by CAFÉ E OUTRAS PALAVRAS. Proudly created with Wix.com

bottom of page