A criação de um texto mal assombrado: roberto prado
- Cafe e outras Palavras
- 24 de set. de 2020
- 5 min de leitura

“A água do mar lambia a areia até quase alcançar o calçadão em frente à Pousada Imperial. Enrico Nunes gosta de se hospedar em locais em frente ao mar e desta vez não foi diferente quando resolveu viajar para Recife de férias. Escolheu o melhor quarto, o que fosse de frente para o mar, o que tivesse mais índice de sol durante o dia, e deveria ter uma varanda grande com mesas e um guarda-sol; gostava de cafés da manhã ao ar livre e de jantares sob a luz do luar.”
Ok Magrão primeiro parágrafo escrito, com pouco sofrimento e quase sem esforço. Aliás, não posso fazer esforço com essas costelas luxadas... O tempo anda sendo meu maior e mais forte inimigo nesses últimos tempos. Tropeço caio encima de alguém ou, como foi o caso, cai encima de meu do cotovelo direito e que me machucou algumas costelas... Vou tomar m café e volto para ver o que fazer com esse primeiro parágrafo...
Café ruim da repartição de me deixou com dor de barriga... vou encarar o teclado:
“Pela manhã quando acordou, Enrico foi até a varanda do quarto e se espreguiçou demoradamente apreciando a vista e se aquecendo no sol ainda morno, viu que o mar tinha um movimento suave e constante que trazia e levava de volta uma espuma branca e brilhante. Contudo, naquele dia, o mar trouxe mais do que apenas espuma.
Enrico sentou-se e ficou observando o vai e vem das ondas e ligou para a recepção para pedir o café da manhã, viu ao longe pessoas caminhando no calçadão e outras mergulhando na água ainda gelada...”
Lembra quando escrevíamos novelas de rádio? Acho que jamais usaríamos um nome como esse - Enrico... Um personagem batizado com um nome desses deveria sofrer todas as dores do mundo e ressuscitar no lado ensolarado de Mercúrio...
Voltemos!
“- Dias de sol, água fria, que dicotomia! – filosofou de si para si...
O café chegou quente, o aroma preencheu cada canto do quarto, ele o aspirou ate ficar zonzo. Sorveu-o e pronunciou:
- Faça-se um bom dia para toda a humanidade! – decretou embevecido de tanta alegria.
Nem aquela nuvem, que por segundos escureceu o sol, desfez aquele semblante de pura felicidade por viver num mundo com café...
Sentado numa cadeira de espaldar, Enrico abriu o jornal, único que o hotel assinava, leu as manchetes, os quadrinhos, e a página do obituário. Nunca lia essa página na sua cidade, conhecia muita gente por lá, mas aqui, num ambiente em que ninguém o conhecia e que não conhecia ninguém ele poderia ler sem qualquer susto ou tristeza. “
Dias de sol... Ele merecer sofrer! Olho pela janela e o dito sol está brilhando dois tons acima do amarelo que posso suportar. Estou baixando uns jazzinhos que me dão forças para suportar essa primavera insidiosa...
Vou à rua. Preciso de um café de verdade em minhas veias.
Voltei, escrevi mais umas coisinhas num guardanapo:
“Deixando o jornal de lado, decidiu ir à praia, afinal ele viera aqui para isso, ir-à-praia, não ficar lendo jornal dentro de um quarto de hotel.
Ao pisar na areia, o hotel ficava literalmente de frente para o mar Enrico viu uma multidão de reunindo em volta de algo que ele não conseguia ver direito. O que poderia ser? As gaivotas, esses urubus do mar, já voavam em círculos sobre aquela multidão...
Enrico, avesso à multidão afastou-se em sentido contrário e foi tomar uma água de coco, alheando-se assim de saber o que atraía aquela multidão.”
Caríssimo, seria esse Enrico minha contraparte? Assim como ele detesto multidões, razão pela qual vou a bares e cafeterias suspeitas, onde as baratas temem por as patas...
Divago...
Sigamos:
“Mas a curiosidade foi maior e ele se aproximou. Foi quando descobriu que o mar havia trazido à praia o corpo de uma mulher. Estava de bruços, o maiô era preto, e absolutamente nada chamava atenção naquela mulher, a não ser uma pequena tatuagem do lado interno do pulso que Enrico reconheceu por serem as iniciais “EM” dentro de um coração, e do lado de fora a letra “O”. Quem mais poderia, no mundo, ter essa tatuagem tão específica no pulso?”
Francamente, nem em meus piores livros policias teria lido tal parágrafo! Penso em parar, penso em apagar isso tudo, mas acho que o pessoal da informática conseguiria resgatar o texto e me chantagearem mais tarde... Se eu fosse tomar uma cerveja invés de café? Café me deixa excitado, nervoso, tenso e aumenta a minha paranoia... Vou arriscar mais um parágrafo:
“Imediatamente ele ajoelhou diante do corpo na areia, sem acreditar, ou querendo acreditar que aquilo poderia ser apenas uma infeliz coincidência.
- Não mexa no corpo alguém falou! - mas Enrico não se conteve, precisava desfazer aquela sensação desagradável que sentia. Ao virar o corpo reconheceu Ozenira, antiga namorada de dez anos atrás que conhecera em um resort em Porto Rico.”
Meu Deus que mãe, em sã consciência batizaria uma filha com esse nome? Caro amigo, sinto que fui tomado por algum espírito, eu jamais escrevia isso.
“Enrico sentiu ganas de, levantando os punhos em direção aos céus gritar e amaldiçoar e questionar o Criador por tamanho crime, - Ele assistiu muito O Planeta dos Macacos! Era o que me faltava! - mas temendo ser processado por algum estúdio de cinema contentou-se em soluçar baixinho.”
Soluçou baixinho... - Isso parece letra de bolero! Me ajude! Ama força maior leva minhas mãos ao teclado, já não tenho forças para resisti...
“Mas a imagem de Ozenira, - ou Nirinha, seu apelido carinhoso - ficou tatuada em suas retinas cansadas de tanto sal e tanto sol... De volta ao hotel Enrico acomodou-se à beira da piscina e passou o resto do dia e parte da noite a embebedar-se na vã tentativa de esquecê-la... Acordou alta madrugada, com frio e foi para o seu quarto.
Pela manhã, tomando café e lendo o jornal, procurou na página de obituários por Ozenira, e, para seu eterno espanto, não a encontrou.
Pediu que lhe trouxessem mais jornais, mas, mais jornais não havia na cidade.
Desconsolado atravessou a rua e foi à praia, perguntava aos banhistas sobre o acidente do dia interior, mas ninguém sabia o que ele estava falando, perguntou aos guarda-vidas e eles nada sabiam também.
Estaria ele Enrico pagando pelos anos de alcoolismo, estaria em subconsciente matado Ozenira pela traição sofrida? Estaria, estaria o quê?”
Caríssimo, bom dia.
Graças a incúria, a falta de manutenção nessa repartição, e por causa do calor de ontem a tarde, a nossa cabine primaria pifou, faltou luz no prédio e como não temos nobreak os computadores apagaram-se e consegui escapar do espírito que dominava minha capacidade de escrita. Essa bosta de história acaba aqui!
Envio esta a você como uma curiosidade metafísica.
Abraços Fraternos
Desse seu amigo mal assombrado.
Thanks.
RP
O Enrico me parece a contra parte, do personagem "escritor".
E isso demonstra como vc pode criar o mundo que quiser.
E isso é um poder e tanto.
Rose Tayra