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A revelação: roberto prado

  • Foto do escritor: Cafe e outras Palavras
    Cafe e outras Palavras
  • 18 de jun. de 2020
  • 2 min de leitura

Não sei como não percebi antes, devia estar ali na minha frente sempre, eu nunca vi, nunca dei conta, até aquele dia.

Espantei-me, consegui disfarçar bem, mas espantei-me sim, e por pouco não bati o carro.

Sim eu estava dirigindo.

A avenida estava cheia, mais um daqueles engarrafamentos matinais. Todos indo para o trabalho, de má vontade como eu, quero crer.

Mas divago cada dia divago mais e mais.

Ela estava ao meu lado, escutávamos música no carro, o som estava alto para abafar o barulho dos outros carros na rua, o céu ainda estava clareando, horário de verão...

Foi então, que queimando um sinal vermelho, eu estava muito rápido para poder parar a tempo, ela passou sua mão, esquerda, na minha que displicentemente segurava o volante.

Mão cheia de anéis, pulseiras, unhas pintadas de vermelho (insisto sempre para que ela as pinte dessa cor), e então eu vi aquelas marcas na sua mão, marcas parecidas com sardas, mas que na verdade são marcas de idade, de idade!

Meu Deus!

Nesse momento dei-me conta que ela estava envelhecendo, ficando velha! Nunca havia me incomodado, ou mesmo dado conta dos pés de galinha em volta dos olhos, os cabelos brancos, sempre pintados, a pele continuamente tratada com cremes hidratantes...

Toda a nossa vida em comum passou diante de mim, junto com os outros carros que me fechavam, levando-me quase a chocar-me com um deles. A lividez que ela reparou em mim na hora, creditei ao susto da freada brusca, acho até que cheguei a “cantar pneu” para disfarçar melhor.

Ela tentou passar a mão em meu rosto, mas consegui disfarçar o repúdio colocando a cabeça para fora da janela do carro e xingar o motorista da frente, que não ouviu o meu desaforo.

Completei o percurso até o trabalho praticamente mudo, tinha medo falar qualquer coisa, sim eu sabia que nada que dissesse seria bom, tinha medo de ofendê-la, de acusá-la de ficar velha, de sua falta de consideração comigo.

Sentia-me ofendido e ridículo diante de tal reação.

Enfim cheguei.

Desci do carro, com certa aversão, que disfarcei bem, beijei-a rapidamente, e deixando de lado o elevador subi correndo pelas escadas, tal a ânsia de livrar-me de sua presença, sua lembrança, e chegar ao meu andar. Já em minha sala, liguei o computador e acorri ao banheiro, urgia ver-me ao espelho, tinha urgência disso.

E lá estava eu, refletido no cristal, um velho de cabelos ralos e brancos, um rosto carcomido pelas rugas e infeliz, tão desgraçada e miseravelmente infeliz que no meu peito o coração parecia querer parar de bater...

Então encostei minha cabeça no vidro frio e comecei a chorar.

Desesperei-me ainda mais ao ver que chorava sozinho, pois minha imagem no espelho limitava-se a me olhar com reprovação e asco.

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