Aniversários: roberto prado
- Cafe e outras Palavras
- 30 de jan. de 2020
- 3 min de leitura

Está certo eu vou! – respondi contrariado e de má vontade. Detesto, ou melhor, passei a detestar ir a aniversários, festejos e qualquer outro tipo de comemoração em que eu tenha que ver pessoas que não quero ver. Não suporto quando chegam para mim e dizem:
- Engordou hein? Barba branquinha já hein? Falta muito para aposentar? – e o pior:
- Já viu teu cunhado por ai?
Francamente... Mas como ela insistiu muito, pediu, quase chorou e ameaçou, resolvi ir. Mas eu sabia que não deveria ter aberto esse precedente, eu sabia...
Da rua já ouvia o pagode comendo solto, os gritos, as risadas, e o pior, o que só parecia ser um pagode era na realidade um karaokê. Quis voltar dali mesmo, mas uma força maior que a minha me segurou belo braço e me puxou para dentro. Entrei no salão como um condenado sobe ao patíbulo. Olhei para os lados, não havia nenhuma outra porta que eu pudesse usar, as janelas eram altas e pequenas para meu tamanho, pensei nesse momento:
- O primeiro que me chamar de gordo morre aqui e agora!
Dei o primeiro passo em direção a uma mesa, uma no canto, perto das caixas de som. Dirigi-me para lá em passos ligeiros enquanto a mulher ia cumprimentar as irmãs, as sobrinhas, as tias, os tios, os avós (empalhados), primas, primos, tios-avôs/tias-avós, uns dois ou três fantasmas. Sentei-me de costas para o salão, era o único nessa posição e rezei para que ninguém percebesse minha presença.
O holocausto, digo, o karaokê prosseguiu ainda por muito tempo.
Serviram cerveja quente, que recusei; uísque paraguaio, que recusei; empadinhas empapadas de gordura e coentro, que também recusei, eu me recusava a admitir que estivesse lá. Será que ninguém percebia isso?
Passado algum tempo, começaram a apagar as luzes para os parabéns, pensei ser essa a chance de sair correndo, empurrar quem quer que estivesse à minha frente e alcançar a rua. Outra ilusão perdida, pois minha mulher - outra vez ela! - me pegou pelo braço e levou-me à mesa.
Cantaram “parabéns prá você” três vezes seguidas, pois a criança assustada não conseguia apagar a velinha e chorava convulsivamente. Discretamente empurrei minha mulher para o lado e fui, feito uma barata, deslizando pelas paredes em direção à porta da frente.
Estava com sorte, pensei, pois até agora ninguém deu pela minha presença. Uma vez na porta, corri para a rua e acendi um cigarro.
Pergunto-me como podem falar mal de um companheiro tão fiel como ele. Enchi o pulmão de fumaça e a expeli com volúpia. Logo, vendo que a coisa seguiria longe ainda, acendi outro e fumei com mais calma e prazer redobrado...
Olhei o relógio e me perguntei quanto tempo mais teria de sossego antes que minha mulher viesse me puxar pelo braço para dentro do salão outra vez.
Terminei o cigarro e fiquei vendo os carros passarem na rua, contei os ônibus e calculei em quanto tempo eles completavam o percurso da linha, fiquei vigiando os guardadores de carro, fui até o pipoqueiro, atravessei para o outro lado da rua e acendi outro cigarro. Nesse momento começo a sentir no meu íntimo que estava nos momentos finais de minha alegria. Mal terminei o pensamento e uma voz me chama para dentro da festa.
- Estão servindo o bolo! Venha, já!
Como se eu tivesse saído de casa para comer bolo regado a pagode, bebedeira e gente dançando bêbadas e descalças... – pensei com meus botões.
E, como por magia negra, lá estava eu com um pratinho de plástico azul, um pedaço pequeno de bolo com quilômetros de glacê derretendo, dois brigadeiros quadrados, um beijinho onde haviam economizado no coco e um cajuzinho sem o amendoim na ponta. Olhava em volta procurando um lugar para depositar o prato e toda aquela hecatombe açucarada. Se ao menos fosse vinte e sete de setembro..
Segui outra vez rastejando pelas paredes, pelas partes escuras e com cortinas do salão até porta. Precisava ir ao bar da esquina tomar uma água mineral.
Ao chegar à porta, agoniado, sinto outra vez minha mulher pegar meu braço, mas para meu alívio Ela me diz:
- Vamos embora, a festa acabou.
Aliviado entro no carro, dou a partida e antes de chegar em casa indignado desabafo com minha mulher.
- É prá isso que me leva nas festas da sua família? Todo mundo me ignorou lá dentro!
Olhando a folhinha da cozinha, acho que ainda tem mais uns dez aniversários daqui até o fim do ano...
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