Anteontem à noite: roberto prado
- Cafe e outras Palavras
- 15 de jan. de 2021
- 3 min de leitura

Escutou um som rascante vindo da porta, olhou e viu um bilhete ser empurrado por baixo dela. Correu para pegar, abriu a porta, mas já era tarde demais, a pessoa já havia sumido.
Com o coração disparado abriu o envelope, e mordendo o lábio inferior leu: “Eu estava lá na noite retrasada. Vi tudo. Logo entrarei em contato. Nem pense em fugir, sei como encontrá-lo em qualquer lugar”.
Sentou-se na poltrona e espremeu os miolos para lembrar-se o que havia feito na noite retrasa. Correu a ver a sua agenda, nada. No seu diário (onde que um homem mantém um diário hoje em dia?), nada.
Recorreu ao facebook e outras redes sociais, nada.
- Meu Deus o que foi que eu fiz?
Pensou em ligar para Renata. Mas logo deixou a ideia de lado, se havia feito alguma coisa errada, não foi com ela, e se era coisa errada seria bom ela não saber.
Começou a roer as unhas, acendeu um cigarro, e foi à cozinha comer amendoins e conferir a folhinha.
Nada estava marcado.
- O que foi que eu fiz? – se remoía de medo e arrependimento.
Foi ao banheiro chorar, sob a ducha quente.
Chorou até ficar com o rosto inchado, os olhos vermelhos e o nariz escorrendo. Voltou à sala, encheu um copo com uísque e sentou-se no sofá para reler o bilhete outra vez...
Revirou o guarda-roupa, olhou os bolsos da calça, da camisa e do blazer, nada e nada havia dentro da carteira. Pensava, o que dizer à Renata caso algo lhe acontecesse? Se ele morresse, pior, fosse morto? O que ela iria pensar? Envolvido em drogas? Crimes? Prostituição? Espionagem? Tráfico de escravas brancas para ao Oriente Médio? Pedofilia? Necrofilia? Briga de torcida – ela nunca viu com bons o fato dele ser corintiano...
- Não! - gritou.
Começava a delirar, caíra na armadilha, deixara-se levar...
Olhava a janela, já considerando atirar-se dela, quando toca a campainha.
Assustou-se.
Correu a atender a porta.
Girou a chave, puxou os três trincos, o pega-ladrão e abriu-a, e um tipo suspeito, de capote, chapéu, óculos escuros e guarda-chuva encarava-o.
Ele tremeu, e em sua cabeça passou o filme de sua vida. Reviu toda a sua infância, juventude, adolescência, toda a vida adulta até a noite de anteontem, e nada havia ali de excepcional.
O homem levantou o óculos e perguntou:
- Hoje você recebeu uma carta?
- Sim - tartamudeou tremendo.
- Onde ela está? - Perguntou com voz firme, estendendo a mão.
Ele pensando que seria estrangulado, procurou proteger o pescoço, e correu para dentro do apartamento.
O sujeito entrou na sala, fechou a porta, girou a chave e puxou de volta os três trincos e o pega-ladrão. Seguiu em direção ao pobre coitado que chorava baixinho no canto do sofá.
- Onde está carta? - perguntou com voz soturna e ameaçadora.
- Aaaaaaqui! - tremia, soluçava, chorava, os olhos saltando das órbitas, urinando-se. (delirando imaginava o que tiraria a mancha de urina do carpete)
O tipo puxou-a bruscamente, a pôs no bolso do capote, virou-se em direção à porta, onde teria de girar a chave, puxar os três trincos e o pega-ladrão, quando por fim a escancarou, voltou-se para trás e disse:
- Essa carta foi posta na sua porta por engano, era para o seu vizinho aqui do lado. Uma palavra e você é um homem morto. - Virou-se e foi-se embora.
Em menos de uma hora já estava com o caminhão de mudança na porta do prédio. Mudou-se e não deixou endereço para ninguém.
Nem Renata sabe que fim ele levou.
Sobre Anteontem a noite:
Quem não deve não teme, já dizia o adágio popular.
Rose Tayra