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Bruna! 70! roberto prado

  • Foto do escritor: Cafe e outras Palavras
    Cafe e outras Palavras
  • 1 de jun. de 2020
  • 3 min de leitura

- E quero morrer! Quero me matar! Preciso morrer para ser minimamente feliz. – e começava a cantilena diária. – Os senhores não sabem o que é ser terceirizado... – e começava a desfiar o rosário de tristezas e misérias que era a sua infeliz vida. Isso às oito e um da manhã e o expediente terminaria às 17 horas...

- Sou feio! – começava e pedia um café. – A única alegria fácil na minha é isso. – levantava o copo de café e antes de bebê-lo, beijava-o. – e saia resmungando e sorvendo o divino líquido.

Oito e dez da manhã...

Ele volta.

- Posso almoçar com vocês? – perguntava, olhando com os olhos de um cachorro fazendo cocô na chuva.

- Claro que pode! – respondíamos em coro – claro que pode. – E por pura maldade completávamos:

- Será um prazer!

Ele enxugava as lágrimas e, finalmente saía de nossa sala.

Meio dia em ponto, sol a pino, e já almoçados fomos ao café. E ele falando sem parar (ele falava sem parar sempre) e o seu mantra era a morte, a sua amada e desejada morte, adorava falar em morte, em morrer, cada dia vinha com um plano infalível para morrer. Com a chegada da pandemia vivia dizendo que sairia a rua sem máscara para se contaminar. Iria encher o corpo de vírus e depois entraria na repartição tossindo e espirrando para contaminar tudo mundo, iria morrer feliz levando todas as pessoas:

- Menos vocês dois – nos garantia com os olhos arregalados. Não sobraria ninguém, ninguém.

Só faltava a gargalhada com eco.

Chegando ao café pedimos:

- Dois puros e do alegrinho aqui (ele vivia com um riso sardônico na cara) com leitinho. Encostamo-nos no balcão e ele lá fora ficava andando de um lado para o outro falando coisas sem sentidos.

- Às vezes acho que esse cara é mesmo pancada – comentei enquanto dissolvia o adoçante do café.

- O dia que ele começar a rasgar dinheiro vou acreditar.

- Caraca, agora que reparei, esse bocó está sem mascara!

O colega preocupado chama-lhe a atenção, e ele responde:

- Tô sem máscara para pegar esse vírus eu vou me contaminar e depois envenenar todo mundo...

- Cala essa matraca idiota! Quem vai se ferrar aqui é a baiana, a vigilância sanitária passa aqui e fecha o café dela, cretino. Trate de colocar uma máscara, agora.

Nesse momento, nesse exato momento, com certo calafrio nos subindo pela coluna, começamos a acreditar que o fulano ou era louco ou estava a um caroço de azeitona de sê-lo.

Ele sacou uma nota de cem reais da carteira e colocou sobre o rosto e veio ao balcão tomar o café dele.

Discretamente nos afastamos dois passos dele e terminamos nosso café em silêncio...

Fomos dar uma volta e ver o deserto que se tornou o centro da cidade, como não ventava era bem possível não ver nenhuma “tumble weed” pelas ruas...

O sol estava de rachar, um calor de verão num dia de outono deixava o caminhar cansativo e a alma exasperada. Dois quarteirões depois, resolvemos voltar à repartição.

- Vamos voltar pela rua das putas? – sugeriu nosso psicopata residente.

- Desde que voltemos logo, vamos por qualquer rua. – respondeu o colega.

Seguimos pela rua das putas. Qual não foi a nossa surpresa ao ver que todas elas estavam com cadeiras de praia, na calçada, tomando sol, fumando cigarros, bebendo cerveja e uma, quedem-se de espanto, lendo um livro.

Olhei pro meu colega e falei baixinho:

- Aperta o passo que esse bocó vai aprontar...

Dito e feito, quando ele as viu começou a falar alto:

- Vou escolher uma. A mais feia, e a que tiver cara de ter mais doenças eu peço em casamento. Vou beijar na boca e me envenenar, depois levo tudo pra repartição. Só “vai” sobrar vocês dois, o resto morre tudo!

- Eu não disse? – resmunguei.

Quando ele, por fim, se engraçou com uma, a que fumava, apertamos o passo e atravessamos a avenida.

Logo ouvimos as mulheres gritando, fazendo escândalo, nem olhamos para trás. Nos pusemos a correr.

Minutos depois, já na repartição chega o insano, arfando, sem fôlego – deve ter corrido muito. Perguntamos o que havia acontecido que gritaria tinha sido aquela.

- Pô - responde - perguntei para a morena, o nome dela, era Bruna – nome artístico! -, quanto era programa – dar uma bem rapidinho - disse que estava no horário do almoço, ela me respondeu, setenta reais, perguntei se dava desconto, disse que não, apelei e perguntei se ela casava comigo, e ela respondeu que nunca casaria com homem que barganha com puta, ai começou a gritar e a chamar o cafetão dela. Se eu não corresse ele tinha me matado. E vocês me deixaram lá sozinho. E arrematou com essa:

- E se ele me matasse?

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