Carnaval 1 - O banho molhado de D. Dorotéia - 1984: marcelo lemos
- Cafe e outras Palavras
- 23 de fev. de 2020
- 2 min de leitura
Atualizado: 28 de fev. de 2020

Sem dúvida nenhuma, o esporte é um dos melhores meios de socialização dos jovens, ainda mais os tímidos, introvertidos e pobres, sendo este o meu caso, mas sem a mínima aptidão esportiva.
Minha relação com o esporte, podemos dizer que seria a mesma que a de Nosferato com as estruturas cruciformes.
Diante de tal limitação me sobravam muito poucas ferramentas de sociabilização com meus pares e o que mais ocupava minha atenção no momento, oportunidades de acasalar.
Sorte minha, ter como pai o Sr. Lemos, que juntamente com D. Áurea, nos deram uma criação surpreendentemente liberal.
Com isso, aprendi com ele, a beber ainda criança, estando eu aos treze, já como um veterano, o que me enturmava com o pessoal mais velho, como o dos amigos de meu irmão, sete anos mais velho.
Neste contexto, chega o carnaval de 1984, oportunidade única até então, para estar com fêmeas.
Os amigos de meu irmão combinaram para sair no bloco de “D. Dorotéia”. Meu irmão, por já estar “grávido”, não se atreveu a ir.
Combinamos de sair da esquina de casa, em frente a casa de Fernando, onde também já teria um “esquenta”. Sua vizinha, que muito me aprazia, nos maquiou e num momento de identificação com aquela putinha mirim – eu - emprestou-me uma meia arrastão furada, para compor o look. Meu fardamento, então, compôs-se, da seguinte maneira: vestido floral e melissinha verde limão (ambas de minha mãe), sunga de praia e dois cantis de batida de maracujá.
Todos prontos, saímos em seis motos, todas com garupas. Chegamos à Ponta da Praia, onde acontecia o desfile. Já estava aquela loucura. Pareceu-me um zoológico de jaulas abertas, logo após ter sido pulverizado com diatilamida do ácido lisérgico.
O desfile, até onde sei, era composto quase que exclusivamente de homens travestidos ou assumidos, coisa que ali, não fazia nenhuma diferença.
Na a assistência, há “A Assistência”, era composta 100% de fêmeas, libidinosas fêmeas!
As meninas nos apalpando e perguntando – O que temos aqui? E eu (eu não, o personagem) retribuído com os mesmos gestos e palavras... Foi a glória!
A esta altura do campeonato, um dos cantis já se tornara cheio de oxigênio, o que melhorara e muito minha experiência da fantasia.
Eis que de repente, cai uma daquelas tempestades de verão, de encher as ruas, ter latas de lixo levadas pelo vento, de não ter marquise para se abrigar.
Durante meia hora fiquei procurando meus amigos e a chuva não parava.
Cansei! Com cara de puta arrependida, peguei o ônibus para casa, sendo isto, já no horário de saída dos trabalhadores do cais.
Com o ônibus lotado, só me restava fazer cara feia para todos que me encaravam. Preferia estar morto, do que ali, sozinho, sendo centro das atenções. Esta infindável viagem, demorou mais de uma hora, com o vestido todo molhado, a maquiagem toda borrada e a melissinha na mão.
Será que foi por isso que nenhum cavalheiro me ofereceu o lugar?
*Banho de Dona Doroteia – Bloco carnavalesco santista que perdurou de 1923 à 1997
E, ó desgraça, não há só foto de você de milissinha...
Mas essa imagem está tatuada no meu velho cérebro.
a dama molhada não teve chance no carnaval, mas quem sabe não tem melhor sorte no resto do ano😁