Carnaval 3 – A Tequila: marcelo lemos
- Cafe e outras Palavras
- 23 de fev. de 2020
- 3 min de leitura

1986 foi o meu primeiro carnaval de salão e o primeiro também depois de começar a trabalhar na Antárctica.
Já havia pulado em um bloco de rua, a dois anos, mas não fui muito bem sucedido.
Comprei ingressos para as quatro noites nos Portuários, clube que éramos sócios por causa de onde meu pai trabalhara.
Estava ansioso!
Cheguei por volta das 23 horas e o baile ainda estava começando. Após dar umas duas voltas no salão sem encontrar ninguém conhecido, escutei ao longe o meu nome – era tio Dulcídio!
Ele havia comprado um camarote e estavam com minha tia Cecília, um casal de amigos, meus primos Rafael e Denise e a gostosa da filha do casal, a qual estava fantasiada de Lisa Minelli em Cabaré, com direito a cartola e tudo.
Não gostaria que o caro leitor, após a descrição acima, tire conclusões equivocadas quanto a meus gostos e prioridades. Quando dei ênfase à fantasia da gostosa de cartola, não foi porque tenho algum apreço figurinístico, muito menos, estaria eu pautando meus olhares pelo luxo das fantasias dos convivas no salão. É que esta fantasia realmente deixava a gostosa, além de mais gostosa, sensual!
Bem, tio Dulcídio quebrando meu transe, perguntou o que estava bebendo e lhe respondi que havia trazido batida de Genebra. Interpelou-me dizendo que tinha trazido algo que eu iria adorar, quando tira de uma bolsa, uma garrafa de tequila!
Neste momento, se faz necessário algumas elucidações.
Estávamos ainda a dois anos da reabertura das importações. Qualquer produto importado, somente de contrabando, a preços proibitivos e com qualidade duvidosa.
Mas isto não para meu tio!
Trabalhando à muito com desembaraço alfandegário, sua casa era um verdadeiro free shop. Em sua sala, tinha uma estante, que em minhas lembranças me aparece mágica, com direito ao ser aberta, a cascata de gelo seco e tudo mais. Tinha de tudo. De chocolates belgas, licores uísques, fumos para cachimbo, baralhos. Mimos que ganhava no trabalho.
Um ano antes, em meu aniversário de 15 anos, deu-me de presente uma garrafa de Old Par.
– Não tome tudo de uma vez – disse-me.
Em sua casa, antes dos nove anos, aprendi a jogar buraco e a tomar uísque, o que junto a outros adultos, fazíamos até de madrugada.
Voltando a tequila, só a conhecia de filmes. Era novidade, mesmo vindo de meu tio. Somente nós dois tomamos e como previu, adorei.
Após o término da garrafa, já me julgava o par prefeito da Lisa Minelli cover.
Convidei-a para dançar.
Coloquei sua cartola e assim fizemos, mas acredito que em algum momento, minha repentina desinibição a incomodou, deixando-me só no salão.
Isto não foi empecilho para mim!
Elegi outra vítima e a persegui por todo o salão até que... Dois postes com pernas me pegam pelos braços e me levam para uma sala abaixo do salão.
Eram os seguranças. A menina dera queixa de mim (hoje sóbrio, lhe dou toda razão).
A meu lado, um rapaz sendo socado por seguranças e os meus, querendo fazer-me o mesmo.
Neste momento - fiz uma grande descoberta científica:
– O álcool é completamente neutralizado pelo medo, assaltando a sobriedade nossa mente, como o para-brisa do carro em uma colisão. Graças as vasculhadas que tomei dos seguranças e a descoberta de minha funcional da Antárctica, não tive o destino de um bife de segunda, afinal, era a Cervejaria a patrocinadora do carnaval aquele ano. Fui liberado e proibido de pular o restante das noites.
Bem, se como dizem, cada bebida proporciona uma experiência diferente, a tequila para mim, é a fechadura do inferno.
Cada vez mais me convenço que o passado fica numa galáxia muito, muito distante...
Salute!