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Cláudio: alice bispo

  • Foto do escritor: cafe & outras palavras
    cafe & outras palavras
  • 11 de jun. de 2019
  • 3 min de leitura

Atualizado: 12 de set. de 2019


Se a escola fosse um lugar bom de verdade, não precisava ser obrigado a ir, pensava. Sentia-se sempre deslocado e burro, como se todos sentissem pena dele. Cláudio era tímido, largado, falava quando lhe perguntavam e, mesmo assim, às vezes não respondia. Sua voz era grave mesmo com tão pouca idade: doze anos.

Chegando à porta de entrada da adolescência sentia o corpo mudar, os pelos crescerem e a escola cada vez mais chata e distante. Sentia-se ele mesmo apenas na rua. Que, invariavelmente, espiava pelas grades da sala de aula, sempre com tristeza e ansiedade. "Pra que estudar? Meu pai não terminou nem a quinta série e tem uma profissão: mecânico. Ainda por cima ganha uma grana legal...”.

Para ele, fácil mesmo era jogar bola e empinar pipa. Cláudio adorava sentir os pés descalços no chão quente do asfalto, enquanto olhava para o alto. As mãos num movimento conhecido faziam a pipa dançar leve e livre no céu azul. Enquanto vigiava a pipa esquecia tudo: da escola, de casa, do pai, da madrasta, esquecia quem era e, por um minuto, de onde era.

Se na rua sentia liberdade, em casa, sentia-se abandonado. As brigas constantes do pai com a madrasta o perturbavam cada dia mais. Seus ouvidos doíam com os gritos, os xingamentos que um lançava pro outro, era um pesadelo completo. Sempre que começavam a brigar, Cláudio trancava-se em seu quarto, ligava a tevê e imaginava-se como um de seus personagens favoritos dos desenhos animados. A fantasia era uma janela que ele pulava regularmente, fugindo de si mesmo, fugindo de sua vida.

Sentia vergonha de si mesmo e sabia bem o porquê: seus colegas de turma o zoavam por ser o mais velho e o considerado mais burro. Não se dava bem com as lições e isso o irritava muito, fazendo-o passar por burro. Mas ele sabia que só deixava que zoassem ele na aula porque a professora estava ali, observando suas reações. Quando saíssem para o recreio, aí sim, bateria em todos os idiotas que riram dele. Não deixaria passar nenhum.

É lógico que sabia que seria punido, mas mesmo assim valia a pena; Mesmo levando uma advertência ou, nos casos mais graves, uma suspensão de no mínimo dois dias, mesmo assim valia a pena. Talvez sentisse uma ponta de arrependimento quando via seu pai conversar com a diretora e depois lançar um olhar de desprezo e raiva para ele. Sabia que o pai não tinha orgulho dele. E quem teria? Um menino burro, que estuda com os pirralhos! Mas, que se dane. Ele conseguia viver sendo burro, mas nunca covarde. Covarde, jamais!

Em seus momentos mais felizes, sempre fantasiava com o pai o abraçando. Queria sentir os olhos do pai cair sobre ele com orgulho e amor. Queria sentir os braços do pai ao redor de seu corpo, queria ver um sorriso causado por ele. De todos os sonhos que alimentava, esse era o mais distante. Sabia que no fim das contas era fantasia infantil. Um delírio...

Logo, logo estaria na adolescência, andaria com os caras maiores, jogaria bola com o pessoal da boca, ficaria conhecido. Finalmente entraria no radar dos irmãos. Isso o daria dinheiro para comprar um monte de coisas que via nos comerciais dos desenhos. Quem sabe sendo avião compraria, finalmente, um nike e um playstation quatro. Mas isso era mais pra frente. Por enquanto sua visão era a rua, a pipa.

Onde descalço, esquecia que nasceu do lado errado da cidade...

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