Começo: alice bispo
- Cafe e outras Palavras
- 10 de mar. de 2020
- 2 min de leitura

Eu não preciso sair daqui. É um bom ambiente. Eu tenho minha mesa, tenho uma máquina de café disponível a qualquer momento. Tenho uma cadeira macia. Uma carga horária infame. Tenho meus amigos. Amigos? É demais, eu sei. Mas tenho colegas. Com suas vidas entediantes, repetidas, copiadas, sem senso de humor... A gente era a turma da frente na escola. Eu não sinto a menor falta da escola.
Enfim.
Eu ganho bem. Muito bem. E eu deveria me sentir alguma coisa. Não, não é isso. Eu me sinto alguma coisa. Mas eu não sinto alguma coisa. Eu pareço um grande personagem em minha própria vida. Eu segui o roteiro, eu falei minhas falas, obedeci às ordens e agora: sucesso. O brando suor do sucesso. Mas eu não suei. Eu não tenho dores nas articulações porque eu tomo remédios para os ossos. Tenho uma idade mediana se você quiser saber dessa forma. Não sou velho e nem novo. Mas eu estou tão cansado. Como me senti em toda a vida.
Sozinho e cansado.
Remoendo as mesmas infantilidades, consumindo o inconsumível, pondo nós nos dedos, admitindo as vaidades. Que idiotice. Que merda.
É, merda.
Vida de merda.
Roupa de merda. Conversa de merda. Máquina de café de merda. Eu nunca gostei de café. Chefe de merda. Você se acha realmente interessante, não é? Você é um escroto.
A droga do comprimido enorme passando na minha garganta a custo, enquanto me espremo para engolir e digerir essa merda. Você é essa merda.
Você me reflete. Você me denuncia para mim mesmo. Eu não gosto de falar que as coisas são predestinadas. A minha vida é uma merda por minha culpa. Eu não quero mesquinhar à divindade um posto de escrivã com Parkinson.
Eu não quero.
Mas foi a primeira vez que eu falei merda na minha vida. E foi pra mim mesmo. Intimamente. Eu cansei. Depois de tanto tempo, depois de todas as falsas tentativas de sobrevivência, depois de tudo perdido, negado, submerso, eu vi.
Que droga!
Eu vi o absurdo.
A vida é tudo isso e é, também, uma espiral descendente...
Tenha isso em mente.
R. Fedler