Com o que sonha o homem perdido? roberto feliciano

Eu sei o que você quer minha jovem e falível criança!

Você quer ser imortal, ou ao menos inalcançável. Você nem sequer entende direito como funciona isso de ser tudo na vida. Mas bem que você gostaria de sê-lo em seus próprios domínios. E quem sabe assim deixasse de lado essa antiquada e tola ideia sobre a qual tentam te convencer os agentes do caos de que nenhum homem é uma ilha.

Aos olhos de um desavisado que te vê em cima da sua bicicleta, puro desajuste com o mundo, você é só mais um indo e vindo, De casa pro trabalho, do trabalho pra casa, com eventuais paradas em um lugar qualquer para uma bebida doce em busca de alguém confiável que no fim das contas vai ver teu rosto, traindo vosso acordo tal qual aconteceu comigo e sempre vai acontecer, por séculos e séculos.

Só que eu não sou um desavisado. Eu te observo há tempos, desde quando ainda existia um projeto não falido. Eu sei que você quer mais. Quer ser mais. Só que tem um grande problema, meu amigo. Não tem como você ser mais. Isso não é mais pra você. Desista, supere. Você perdeu a chance e nenhum arco e flecha resolverá isso. Está fora da minha alçada, acredite. Eu já te fiz mal demais e de boas intenções como as minhas as terras de Hades estão cheias.

Então, acontece que por dias e dias, anos e anos, você vai continuar a ser essa criatura aí que você é. Passagem rápida na vida de alguns, paisagem ao longe na de tantos outros. Você sabota a si mesmo o tempo todo e sabe que eu estou falando a verdade. Você sabe que teu corpo já é, hoje, um repositório de sonhos empoeirados, que viram a luz do sol em algum momento da existência apenas para um último suspiro antes do derradeiro extinguir de esperanças.

E bate com força teus dedos nas teclas gastas dessa máquina que já merece há tempos ser defenestrada. E olha a própria imagem no espelho e sonha com algo um pouco melhor. Com o que sonha o homem perdido? O que espera da vida o cara que sonha demais? O que ele quer fazer de útil?

Mas você sabe, tão bem quanto qualquer outro, que não basta estar cansado de se sentir inútil.