Da pobreza e de suas histórias - um cafezinho com: marcelo lemos
- cafe & outras palavras
- 24 de jun. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 12 de set. de 2019
vol. 1 – A primeira banana split, a gente nunca esquece.

Sábado, tinha catequese no Mosteiro São Bento.
Estávamos na Santos de 1982.
Fazia catecismo pela segunda vez, sendo que antes, o fiz na Paróquia Santa Margarida Maria.
Em Santa Margarida, para mim, era bem melhor pois não precisava pegar ônibus, podendo ir à pé de casa.
Minha rescisão de contrato aconteceu quando da vinda para esta, de um padre holandês, o qual “demitiu” a catequista e assumiu ele mesmo, a catequese. Foi um horror! Não aguentei e mudei para o Mosteiro.
Lá, além de ser conhecido, sendo-me todos familiares, ficava a apenas duas quadras de minha segunda casa, o Convento Santo Antônio do Valongo.
Irmã Maria Pia, minha nova catequista, era sensacional.
Italiana e de meia idade, com suas pesadas roupas em um calor quase que constante do litoral, possuía um perene perfume de leite azedo. Enérgica, porém de um humor inabalável, era daquelas religiosas que nos faziam acreditar na santidade.
Junto comigo, na catequese, também estava meu amigo Fernandinho, filho de D. Ivone Rouca (ou D. Ivone Beijoqueira, para os íntimos), a qual também era do Valongo.
Encerrada nossas obrigações com Irmã Pia, todos os sábados, Fernandinho e eu íamos explorar o centro da Cidade.
Passávamos vitrines em revista e peregrinávamos por diversas lojas, mas a nossa Meca e Medina eram mesmo as Lojas Americanas e a Lobrás, sendo que nesta última, era onde fazíamos nosso gran finale.
A soma do troco das passagens de ida e volta de Fernandinho e eu davam exatamente para pagar um lanche de promoção, no qual vinha pão, hambúrguer e e uma fatia de queijo, acompanhado de um copo de Ki-suco.
Sentíamos gente!
Pedíamos para a garçonete dividir o lanche ao meio e o refresco em dois copos. Dependendo da atendente, dizia não poder dividir o refresco, fazendo com que nós protagonizássemos cena de A Dama e o Vagabundo (na versão LGBTI mirim), bebendo no mesmo copo, com dois canudinhos. Constrangedor, como somente a pobreza sabe ser!
Certa vez, estávamos nos deliciando com nosso american way of life, quando a uns quatro metros de nós, senta um casal, no qual a moça se destacava por sua beleza e delicados traços. Parecia uma boneca.
Isto, já foi suficiente para chamar nossa atenção. Fizeram o pedido para garçonete, quando após alguns minutos, quase que flutuando, chegam pelas mãos da garçonete duas bananas split.
Aquela visão era como se estivéssemos diante de uma nave espacial.
Não era a primeira vez que havia visto uma.
Quando tinha nove anos, vi na televisão, encantado, quando imediatamente pedi para minha mãe:
- Compra mãe?
Em sua abissal sabedoria, fruto de sua longa formação na universidade da escassez, na qual obteve doutorado em Psicologia da necessidade, respondeu-me:
- Compro.
Nunca dizia não, mas também não marcava data. Se cobrada, falava que iria comprar, mas ainda não sabia quando.
Sabia que a última instância da pobreza, a miséria, não era a privação de coisas e sim da esperança.
Com seus filhos, Isto nunca!
Voltando a lanchonete da Lobrás, estávamos hipnotizados.
Não tenho ideia de quanto tempo durou nosso transe, mas assistíamos tudo, engolindo nosso banquete de carnes mecanicamente separadas.
O que outrora para nós era acepipe, agora, nosso lanche tinha gosto de feno salpicado com serragem.
O casal se levantou.
O rapaz se aproximou de nós e disse:
- Ela não comeu quase nada
Claro! - Estava comendo tão à vontade, como se estivesse nua diante de um pelotão de fuzilamento – Pensei
Ele continua:
- Está limpinho. Se vocês quiserem, é só pegar. Mas precisa ser rápido, pois a garçonete logo vai retirar.
Surpresos e constrangidos, agradecemos.
Mudos, nos entreolhamos, Fernandinho, eu e a banana Split.
O que se segue, é um plano em slow motion, no qual, paralisados pelo orgulho, escrúpulo ou vergonha, acompanhamos quadro por quadro a garçonete vir retirar a banana split.
Estávamos congelados em nossa surrealidade como em um universo paralelo.
Ela retirou!
Grito surdo, dentro de nós...
Levantamo-nos, prontos para irmos embora, quando assustados, nos deparamos com o rapaz atrás de nós.
- Tem uma banana split paga para vocês.
- É só pedir – Falou-nos sorrindo.
Bem, depois disso... Não tenho ideia como é ter múltiplos e simultâneos orgasmos, mas acredito que seja algo muito semelhante.
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