Diálogo : alice bispo
- cafe & outras palavras
- 16 de mai. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 17 de mai. de 2019
- E por que você lê? - perguntou o professor.
- Eu não sei. Não preciso entender. Eu gosto. - respondeu o aluno.
- Nunca refletiu sobre a leitura?
- Já, mas é perda de tempo.
- E por que você escreve?
- Por ambição. Queria dizer que fazia alguma coisa. Agora faço.
- Por que não então algo mais fácil?
- E quem disse que a escrita é difícil?
- Você não a considera um sacrifício? A maioria dos que escrevem dizem ser por angústia.
- Os melancólicos. Eu não. Existem os famosos, os vencedores; E existem os desconhecidos, os amadores, todos fracassados, perdedores.
- Pra você se resume à quantidade, então?
- Sinceramente? Sim. No fim do mês quem pagará meus boletos? Quem comprará comida? Se for romântico demais com a escrita ela acabará me consumindo.
- Se faz por dinheiro, por que não escolher uma profissão mais rentável?
- Porque só sei escrever. Não quero outra coisa.
O aluno olha em volta, a sala vazia, o quadro negro atrás, as mesas e cadeiras reviradas, o professor à sua frente sério, incrédulo. E continua:
- Se eu for me apegar a certos conceitos sobre literatura, escrita, essa coisa, estarei me concentrando no lado artístico da coisa. Não no lado que paga as contas. O que faço não é diferente do que os outros que fazem sucesso. Eles escrevem o que os outros querem ler.
- Isso é superficial. Longe do que a literatura verdadeiramente é. - argumentou o professor.
- E o que a literatura é, afinal?
Houve um silêncio. O professor pensou em dizer alguma coisa, mas desistiu e voltou a encarar o aluno.
- Tá vendo? Nem o senhor sabe. - disse o aluno, conclusivo.
- Acho que não é preciso saber. Quando perguntei por que você lia, disse que não sabia. A escrita precisa ser sentida. Fazer sentido a quem cria. Posso estar errado, mas não acredito em fazer literatura por fazer. Só é literatura se tem paixão.
- O senhor se apega em afirmações apaixonadas, ditas pela maioria dos escritores. O que eles querem é ganhar muita grana. Ninguém quer ser amador para sempre. Já reparou que só se perde o amadorismo quando se ganha dinheiro?
- O que quer dizer?
- O senhor sabe. Só dão valor quando quantificam o seu trabalho. Quando você ganha para fazer aquilo. A escrita criativa é um grande mito...
- Não é. Existem técnicas, dicas, regras...
- Existem, sim - interrompeu o aluno - mas para o "depois". Quando alguém escreve, dificilmente vai pensar em regras. Essa pessoa escreve para si mesma. Ela sente, ela escreve. As regras são bobagens, rótulos frios, indiferentes.
- Acho que não. As regras servem como mapa. O caminho que deve seguir para saber se elevou o seu tato como escritor. Em tudo existem regras. Elas são necessárias.
- Quem as escreveu primeiro? Quem teve a ideia de categorizar o que era "certo" do que era "errado"? Baseado em qual padrão?
- Não sei.
- Tá vendo? Ninguém sabe.
- Talvez não é pra saber, mas pra viver, sentir...
Dessa vez o aluno não disse nada. Faltavam cinco minutos para o fim do intervalo. A classe voltaria, ainda animada pelo recreio, conversaria um pouco mais, depois silenciaria. Silenciaria para ouvir o professor ensinar sobre escrita.
Depois, anotariam nos bloquinhos dicas, técnicas, regras. Numa tentativa tola de rotular o vazio da própria solidão.

sensacional!!!