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Fôlego: alice bispo

  • Foto do escritor: cafe & outras palavras
    cafe & outras palavras
  • 10 de jan. de 2020
  • 2 min de leitura




As nossas crianças estão crescendo.

As minhas vidas estão morrendo.

As nossas mortes estão vivendo.

O meu mundo está ruindo.

O nosso mundo está mais firme.

A minha poesia está escassa.

O nosso povo está produzindo.

E eles, nós.

E nós, ninguém.

Eu estou morrendo, morrendo a cada dia.

Nós estamos criando, criando a cada ano.

E depois de tudo?

Depois, lucro.




Distorcendo, eu sinto o meu corpo nu e os olhos estão em mim. Todos estão em mim e eu consigo ver, são as minhas mãos, eu sinto e vejo, estão suadas, estão deslizando e eu sinto a minha barriga girar e meus olhos estão no chão e eles ainda dão risada, eles me encaram, eu ainda sinto, ainda quero vomitar, ainda quero que eles parem, parem, parem com isso, por favor. Eu me sento sozinha e encaro meu reflexo com vergonha. Eles tiraram meu corpo, riram do que eu era, sem nada, sem roupas, sem nada, aos destroços, com os olhos vermelhos e encharcados e agora estão aqui, estão aqui, aqui dentro. Eu deixei que entrassem e me consumiram. E todos os dias eu me deito com vergonha. E todos os dias eu quero gritar e quero escrever para ouvirem. Para que as minhas palavras surdas fiquem em suas cabeças. Eu estou aqui, depois de tudo. A minha vontade de viver prevaleceu e eles roubaram todo o resto. Mas a minha teimosia persiste e eu continuo inventando, continuo respirando, mesmo depois de tudo. Vocês me salvaram, nos salvaram e depois me condenaram, nos condenaram. Mas nós estamos aqui, estamos sozinhos, estamos unidos e estamos com muita raiva. Ainda estão ali no chão, estão com fome, estão famintos. E querem viver. E vocês estão cheios de si em seus pequenos mundos que não significam nada, se embrulhando em roupas e estruturas caras, as caras que querem esconder. E toda essa leitura confusa, toda essa diversão, todo esse mundo, tudo, tudo vai ruir. Mas nós sabemos nos reconstruir, porque todos os dias eu me mato e me deixo nascer. Todos os dias eu choro, rio e me deixo viver, só mais um dia. Que todos eles sejam assim. Num só fôlego.

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