No antiquário à hora do almoço:roberto prado
- cafe & outras palavras
- 3 de jul. de 2019
- 1 min de leitura

caminhando sob a chuva
fina
o velho comandante reclama
queixa-se de aflições
tantas, ele as enumera
conta e suspira seus ais
rezinga e maldiz seus dias finais
(que se arrastam e demoram a chegar ao dia derradeiro)
a barriga grande
os cabelos já brancos
os pés chatos
(até mais chatos que ele mesmo, confessa-me)
ao passar por um velho antiquário
entra para refugiar-se da pluviosidade
e uma vez lá dentro
viaja a um passado alheio
ignoto, que não é seu
vislumbra móveis e quinquilharias pretéritas
respira fundo o cheiro de tempos outros
toca com cuidado religioso as relíquias à venda
seus olhos rasos de lágrimas
vasculham preços e datas
e então
num relâmpago
como que sob uma iluminação
quase religiosa
ele vê
ele se encanta
ele é tomado pelos fantasmas do passado
e senta-se a uma vetusta cadeira
vermelha
e em transe
fecha os olhos
entrega-se a uma viagem espiritual
desce aos infernos do velho antiquário
imóvel deixa sua alma vaguear pelo éter...
passando alguns minutos
o velho Caronte o devolve
e impulsionado como por uma mola
invisível
ele arrebatado grita:
- vou comprar.
(paga com cartão – débito)
e tornando à rua ainda
chuvosa
ele segue com a encarnada cadeira
sobre a vetusta cabeça encanecida
e aos passantes ele, de olhos arregalados clama:
- ela é o meu remédio!
da porta da loja
velhos fantasmas lhe acenam adeus...
Comments