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Nossa senhora do chuveirinho: marcelo lemos

  • Foto do escritor: cafe & outras palavras
    cafe & outras palavras
  • 5 de ago. de 2019
  • 3 min de leitura

Como em um raro alinhamento planetário, conseguimos naquele fim de semana prolongado, feriado de N. Senhora Aparecida, reunir grandes amigos, sob o mesmo teto. Não que sejam tão atribuladas assim suas vidas, é que nós, morávamos ha pelo menos cinco horas de qualquer coisa que se possa se chamar de interessante. Aqui, devíamos muito a televisão e a internet. Sem elas, nossos jovens estariam, ainda hoje, tirando racha de charretes com seus cavalos anabolizados com cogumelo de bosta de vaca. Seria o máximo!

Nestas paragens, se amontoavam foragidos sociais, pessoas procurando dar um tempo da civilização, ex- religiosos devedores do Fisco e febris amantes, os quais não conseguiram recursos para ir para uma ilha deserta. Este último, meu caso.

Bem, no sábado, fizemos almoço em casa de minha irmã. Rose, Claudio, Henrique, meus irmãos Marcos e Marilia*, Áurea e Lemos (meus pais), Prado e eu – todos lá.

Nesta sincronicidade de histórias e astrais, colocávamos entre garrafas e copos, presente, passado, e futuro em uma mesma travessa, tendo como condimento, a saudade mútua de nosso convívio.

Estava muito legal!

Quando do escurecer do ambiente, não pelo declínio solar, mas pelo acúmulo âmbar das garrafas, eis que Marilia* incorporou uma de suas entidades espirituais, a Espanhola. Ela, uma pomba gira da terceira idade (que ao que tudo indica, foi uma combatente antifranquista, socialista de primeira hora), aproveitou a assistência, digo plateia, para discorrer seus discursos da Internacional. Confesso, já rodei muita curimba, bati muito bumbo e tomei muito marafo com a exuzada, mas nunca vi nada igual. Ela era chata para a caralho! Naquele momento, depois de ter cantado todos os pontos que lembrava para ver se a Espanhola subia, eis que traçou com ela, a Portuguesa, outra entidade, não menos chata, mas pelo menos, não panfletária, a qual começou a discorrer sobre seu passado como freira no Cartuxa.

Neste momento, nossa diversão foi catapultada a patamares jamais sonhados. A Portuguesa, com a dicção de quem lia um texto ao mesmo tempo em que comia jaca com farinha, explicou o porquê o chuveirinho:

- É o melhor amigo das freiras e se for quente então, é para casar!

D. Áurea, preocupada com a integridade física (e moral) do cavalo, digo, sua filha, resolveu interromper a comunicação e colocá-la para dormir.

Rimos, rimos e rimos.

Continuamos bebendo quando começou os fogos comemorativos à data. Meia hora depois, voltou para mesa D. Áurea, com expressão de exausta. Conta que Marilia dormiu antes mesmo de encostar-se no colchão.

Dando sua missão por cumprida, já saindo do quarto eis que estourou o primeiro rojão. Como numa seção Mesmer, Marília saltou da cama gritando:

– Viva N. Senhora! – a que se seguiu novo desmaio.

Minha mãe relatou que esta cena do “O Exorcista” se repetiu a cada fogo que estourava. Rimos muito, menos D. Áurea. Continuamos bebendo.

No dia seguinte, todos já de pé, eis que se levantou Marilia com cara de Titanic pós-iceberg!

Marilia logo se explicou:

- É que passei a noite toda vomitando.

Pasmo, Prado* lhe respondeu:

- Já vi a bebida fazer coisas bem esdrúxulas com as pessoas, mas vomitar calcinha é a primeira vez!


* Prado, logo avisou – Use o outro banheiro, que este, amanheceu entupido. Tinha de tudo no vaso. Lançamos mão nesta narrativa do recurso de pseudônimo, a fim de preservar a identidade da protagonista desta história.

** O Convento da Cartuxa, em Évora, ao que se sabe, nunca admitiu religiosas, sendo exclusivo de homens. Quanto a sua declaração de amor ao chuveirinho, no período em que dizia estar encarnada, o mesmo ainda não havia sido criado. Tais disparidades nos fazem suspeitar da veracidade da comunicação da entidade Portuguesa, nos levando a suspeitar ser ela, fruto da gengibirra.

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