top of page

O acampamento: roberto prado

  • Foto do escritor: cafe & outras palavras
    cafe & outras palavras
  • 10 de set. de 2019
  • 3 min de leitura




- Para que lado fica o mar seu moço?

Todos os três, motorista, passageiro à sua direta e um semi-inconsciente no banco de trás [30] - olhando para o lado direito, em direção a Serra do Mar. Angustiados, cansados e levemente alcoolizados, esperávamos a resposta. Afinal, havíamos dirigido por horas e horas em direção ao Litoral Norte sob chuva forte, neblina e com uma imagem que até hoje nos assombra: um cavalo coçando a orelha com a pata traseira.

O caiçara olhou para nós, para dentro carro, coçou a cabeça e perguntou:

- Vocês não são daqui, não é?

Respondemos em uníssono:

- Sim, somos de Santos. Mas afinal, ainda estamos longe do mar?

- Não, não estão não, o mar está ai a uns cinco ou seis metros de vocês, bem ai do lado esquerdo do carro.

...e ai começou outra roubada: O acampamento.

Era o meu primeiro acampamento, minha primeira vez dormindo numa barraca, comendo macarrão com sardinha e areia, tomando caipirinha no café da manhã, tomando banho de mar ao acordar.

Na verdade, nosso plano era acamparmos em Camburi, mas a porcaria do carro do amigo do Vadinho começou a desfazer-se no caminho. Perdeu os para-brisas em Bertioga. Com a chuva forte o motor começou a dar problemas e tivemos que ficar mesmo em Juqueí. Acampamos debaixo de uma ponte, e por lá ficaríamos muito mais tempo se uma outra chuva não tivesse arrastado nossa barraca e todas as outras com tudo o que havia dentro.

Mas como é complicado colocar essas lembranças em ordem...

Uma situação que quem viveu à época lembra até hoje.

Eu e Vadinho, à guisa de “João Batista”, batizávamos as pessoas com escorredor de macarrão em troca de gelo para as caipirinhas.

Imaginem a cena:

1. Eu segurando o escorredor de macarrão;

2. Vadinho com o caldeirão jogando água dentro;

3. A fila de indivíduos esperando pelo banho de chuveiro que nós proporcionávamos.

Cena digna dos “10 Mandamentos” ou outro filme bíblico qualquer.

***

Noutra noite, creio vagamente que tenha sido na penúltima, o amigo do Vadinho conseguiu quebrar nossos óculos. Em cima do meu ele colocou o violão, e o do Vadinho, sabe-se lá como, ele colocou sobre a chama do fogão. E quando estourou a tempestade, enquanto o vento levava as barracas, caixas de isopor e roupas, enterrava carros estacionados na areia – incluindo aí nosso carro –, corríamos feito dois cegos. Cegos pela escuridão da noite e cegos pela falta dos óculos, tendo de quando em quando, a ajuda dos relâmpagos que, se clareavam, não ajudava a “focar” nada.

Que perda...

***

Poderia falar aqui sobre um certo caminhão frigorífico estacionado ao lado de nossa barraca, mas prefiro omitir isso com a autoridade de quem resolve contar ou não o que quiser, não quero contar nada sobre isso e pronto![31].

***

Outra passagem bem surreal, ao menos à época e circunstância, foi um caminhão que atravessava o rio desviando das pessoas que lá nadavam, cujo motorista gritava através do megafone:

- Jaca-banana, olha a jaca-banana! Levem jaca-banana direto do litoral para São Paulo! Olha a jaca-banana.

Certo visto hoje, em perspectiva, não tem nenhuma graça, mas na época, com a quantidade absurda de caipirinha na cabeça e um sol de rachar, aquilo parecia muito surreal, muito surreal mesmo.

***

Pensando bem, essas memórias estão mais para afetivas que fragmentadas...

***

Após dias acampados por força das circunstâncias, indo e vindo de Barra do Sahí, conseguimos arrumar o carro e empreender “a volta ao lar”. Mas nada é perfeito e nem tudo o que se conserta funciona. Voltamos para casa tendo que parar a cada poucos quilômetros para pôr água no radiador do carro, pois o mesmo estava furado, e com a fumaça do carburador indo para dentro do carro em vez de sair pelo cano de escapamento.

Uma volta inesquecível, um acampamento memorável, queimaduras de sol nas costas, picadas de mosquitos...

Vejo assim em perspectiva, que nossa amizade é, antes de tudo, baseada na teimosia de andarmos juntos!



[30] Cynar. Nada mais direi, nada mais me perguntem.

[31] Vadinho, O Memorioso que um dia conte, eu não!

Comentários


©2019 by CAFÉ E OUTRAS PALAVRAS. Proudly created with Wix.com

bottom of page