O leilão: roberto prado
- Cafe e outras Palavras
- 29 de jul. de 2020
- 2 min de leitura

- Quem Dá mais?
- Dou muito.
- Quem dá mais? Vamos lá.
- Eu dou mais.
- Muito bem... O senhor ai?
- Darei o dobro!
- Dou o triplo – diz a velhinha de cinza e guarda chuva amarelo.
- Temos o triplo! Quem dá mais?
- O triplo é para os fracos, dou dois terços a mais. Pronuncia-se o senhor magrinho de terno verde musgo.
- Três quartos e nove oitavos – grita o senhor do realejo.
- Estamos melhorando - sorri o leiloeiro
- Dou pra cacete! – reage o boçal do bordel do porto.
- Não reconhecemos “cacete” como moeda de transação nesta casa. – exclama o leiloeiro.
- Dez mil patacas de prata! – todos reconhecem a voz do china pasteleiro.
- O senhor carrega as patacas em espécie? – duvida o leiloeiro.
Silêncio!
- Sigamos com mais lances...
-Todas as minhas terras ao sul da França.
- Aqui não tratamos propriedades rurais, muito menos seus vasinhos de begônias. – Ladra o leiloeiro
- Minha palavra de honra! – urra um vereador.
-... Tampouco com abstrações!
- Um milhão de dólares!
- Senhores, a continuar tal demonstração de deboche seremos, obrigados a encerrar o leilão.
Silêncio constrangedor.
- Dez centavos!
- De quê moeda? Só estamos trabalhando com moedas que existam de verdade... – Fala impaciente o leiloeiro.
- Minha grana do Banco Imobiliário... - é interrompido do dono da lojinha de brinquedos.
-... Esqueça! – Rosna o Leiloeiro. – Outo movimento discreto do nariz e o dono da lojinha de brinquedos também é retirado do salão, em lágrimas.
-... Xelim somali – gagueja assustado o nobre senhor da terceira fileira de cadeiras, no segundo pavimento à esquerda, Ala Sul.
Num discreto movimento do nariz do leiloeiro, o velho senhor é retirado do leilão.
Um mal estar toma conta do salão. Tosses, pigarros, movimentos nas cadeiras, um pó antigo começa a cair do teto.
O bater do martelo trás de volta o silêncio.
- Sigamos. – Ordena o leiloeiro. Próximo!
- Uma nota preta!
- Lamento, mas esta casa não trabalha com cotas raciais.
- Grana à beça.
- Esta casa não reconhece essa medida como valores monetários. Quem dá mais?
- Ofereço a moeda mais cara do mundo, minha honestidade! – grita o nobre deputado.
- Esta casa não trabalha com produtos voláteis.
Todos riem.
O nobre deputado sai do salão sob apupos.
O leiloeiro bate o martelo até que o silêncio seja reestabelecido.
- Sigamos, o tempo urge, logo adentraremos pela madrugada...
- Eu ofereço todo o amor que há nesse mundo! – declama o poetinha-menor frequentador de cafés e da única livraria da cidade...
- O amor! Isso é superestimado demais, acaba logo, e não tem qualquer valor monetário para esta casa e duvido que o senhor tenha algum amor nesse mundo – rosna despeitado o Leiloeiro.
Comentarios