O segredo: roberto prado
- Cafe e outras Palavras
- 30 de dez. de 2020
- 3 min de leitura
O cabelereiro não estava conseguindo, e para satisfazer sua vontade, cavou um buraco, falou "O Rei Midas tem orelhas de burro!" dentro deste e cobriu-o de terra. Porém o junco que cresceu no lugar do buraco "cantava" a frase sempre que recebia vento, espalhando a história pelo reino.

Doente.
Estava de cama, e piorava dia a dia. Começou com uma fraqueza de não conseguir andar muito, de não conseguir carregar uma sacola de compras...
Passou a tossir, ficar amarelo, piorou, e começou a cair os cabelos, sentir frio de bater os dentes.
Por fim caiu de cama.
Médicos não conseguiam diagnosticar o seu mal, apelaram para benzedeiras, nada, chás não faziam qualquer efeito.
Piorava, emagrecia de começar a ficar transparente, só pele e osso!
Com febre alta, ensopava as cobertas e o colchão de suor, delirava, murmurava, mas ninguém entendia o que ele falava.
Ao lado da cama, a mulher e os amigos tentavam puxar conversa, esforçavam-se para entender os seus resmungos, mas nada.
À noite piorava.
A família acordava com seu choro, choro convulsivo, triste, de partir o coração, acorriam à sua volta e perguntavam o que ele tinha, o que queria dizer, mas nesse momento ele se calava e voltava a ficar quieto. Uma falsa calma tomava conta do quarto do doente. Percebia-se que ele estava se segurando, onde arrumava forças para isso ninguém sabia ou entendia.
Quase morto, pele e osso, toda a sua parca energia era usada para morder os lábios que sangravam um sanguezinho ralo e cor de rosa, evitando assim murmurar, chorar ou...
Ou...
Alguma coisa estava muito errada com essa doença. Mas a quem recorrer se nem a medicina, nem benzedeira descobriam o que era?
Via-se que ele não resistiria mais tempo.
Teria ele cometido algum crime e a sua consciência o estava roendo por dentro?
Teria traído a mulher? Não isso ele nunca faria...
Roubado?
Eram tantas bobagens passando pela cabeça das pessoas...
Quem poderia ajudar nessa situação, quem?
Até que ocorreu a uma vizinha chamar o padre para dar a extrema-unção, quando já no fim da vida, ele se confessaria, aliviando-se assim do que quer que fosse que o estivesse atormentando por dentro. Se não funcionasse, seria só mais uma tentativa frustrada, ente tantas outras. Chamaram o velho padre em casa, puseram-lhe a par do que ocorria ali. Que ele acorresse ao quarto, que rezasse, que orasse, que colocasse uma vela em suas mãos e o preparasse para a última viagem, mas que de qualquer forma, o fizesse confessar o que lhe pesava no peito.
De nada adiantou o velho pároco explicar que, mesmo que o moribundo lhe confessasse algo, não poderia dizer a ninguém, deveria guardar o segredo da confissão, morreria ele com o segredo, mas não contaria a ninguém.
O velho sacerdote sentou-se à beira da cama e murmurou palavras que ninguém ouvia do outro lado da porta, trancada. Passou-se algum tempo e o velho e alquebrado cura saiu. Trazia o rosto transtornado, suava muito, a batina estava colada ao corpo, as mãos velhas e encarquilhadas tremiam a ponto de arrebentar o rosário que trazia entre os dedos. Mal conseguiu beber um gole de água, mais derramou sobre a batina que engoliu, saiu trôpego, amparando-se nas paredes e muros até chegar à sua igreja, de onde nunca mais saiu.
Morreu dois dias depois, magro, seco, febril e murmurando palavras desconexas.
O velho doente recobrou as forças e a saúde poucas horas depois da visita do padre, tão logo se pôs de pé, fugiu com a mulher e o filho na calada da noite, nunca mais foi visto e nem soube da morte do padre, que morreu renegando a sua fé.
Até hoje ainda se comenta na vila qual seria o segredo do velho...
Há segredos inconfessáveis o do velho doente era um desses. Nós leitores devemos não nos encasquetar em descobrir para não ter o mesmo fim do padre.