O Velho Gomes: roberto prado

As crianças gritavam na rua, faziam algazarra, bagunça uma barulheira dos infernos, e, para piorar o impiorável, tinha sempre um bobo que gritava:

- É goooooooooooooooooooooooooooool – e chutava a bola contra a porta do Velho Gomes.

O Velho Gomes, o velho malvado da rua, magro, seco cabelos brancos quase raspados à zero, rouco, reto, sempre de preto com as camisas sempre abotoadas até o pescoço, guarda-chuva a guisa de bengala, com o qual saía à rua para nos espantar (naqueles tempos era comum um adulto querer “educar” filhos alheios). Jurávamos, à época, que ele tinha sotaque alemão. Olhos azuis aguados numa cara pálida, doentia. Era nossa vítima, odiávamos o Velho Gomes.

Esforçávamo-nos nesse mister.

Hoje - velho, careca, encurvado pelo peso dos anos e dos pecados - passadas tantas décadas, me pergunto por quê?

Essas lembranças vieram à mente ontem à noite...

Estava vendo a lua da janela da área de serviço quando uma criança, do outro lado da rua pôs-se a gritar o famigerado:

- É gooooooooooooooooooooool! – Já era quase dez horas da noite.

Um calafrio subiu-me pela espinha e de chofre lembrei-me do velho Gomes. Tivesse eu uma espingarda de caçar elefantes essa pequena criatura estaria em pedaços decorando a quadra de esporte do prédio onde mora. Coisa irritante filhos dos outros fazendo barulho, pior ainda, ficar gritando desse jeito...

Qual será o sonho desse fedelho?

Ser jogador de futebol?

Ser radialista?

Anarquista? – se assim for me parece no caminho certo.

Tenho cá minhas preocupações de ordem natalina, meus demônios sazonais, meus desgostos pessoais, e esse moleque me remete à minha tenra infância, onde eu fazia o seu papel atazanando o Velho Gomes.

Será por isso que minha vida é assim?

Estou pagando pelos pecados iniciais?

Desculpe Seu Gomes, eu era inocente, fazia essa bagunça na sua porta porque se fizesse na minha meu pai me cobriria de porrada, coisa que os pais de hoje não fazem.

Tardiamente me desculpo e lhe desejo um Feliz Natal ou Fröhliche Weihnachten!

Enquanto divago, a lua segue o seu caminho e sai de meu campo de visão...