Olhando o Rio Pedreira: roberto prado

Desde as oito da manhã estou sentado em minha mesa olhando pela janela, pela janela vislumbro o Rio Pedreira. Meus biguás estão nadando e pescando. Urubus nos postes e garças caminhando pelos trilhos.

Logo passará o trem buzinando e tentando fazer as pessoas o que faz com as garças, tirá-las de cima da linha férrea. As garças voam, as pessoas NÃO voam e não saem da frente do comboio, então a locomotiva apita ainda mais. Comentamos aqui que o manobrista tenta acordar a mãe lá na Senador Feijó... (se vocês não são daqui, não fazem ideia do que estou dizendo).

Pobres moças, quando não são comparadas às mães de políticos, são mães de manobristas de trem...

O telefone toca. Toca e toca, atendo, ligação para o número errado, por isso tenho horror de atender a esse aparelho.

Volto a olhar o mar, o biguás continuam na lida, as garças voltaram aos trilhos, os urubus sobre os postes com paciência de monge chinês, continuam esperando por suas carcaças.

O sol fica mais forte. Gasto minhas últimas reservas de esperança num dia nublado, quiçá chuvoso, e...

O telefone toca na sala ao lado, tenho certeza de que é para mim, é sempre assim, toca na minha mesa é para outra sala, toca em outra sala...

Acho que todos os relógios estão quebrados, nove e meia em todos eles, meu relógio interno afirma que já é hora do almoço.

Positivamente os urubus irão banquetear-se antes de mim, os biguás já estão no meio do rio e vindo para os trilhos. Fica uma imagem dicotômica, preto e branco, preto e branco preto e branco, preto e branco, preto e branco preto e branco...

Do outro lado do canal está atracado um navio da Hamburg Sud, eu rio baixinho ao me lembrar de uma antiga faxineira que acreditava piamente que esse navio só transportava hambúrgueres...

As sextas-feiras são sempre assim, a mente deixa o corpo abandonado aqui na repartição...

Está começando buzinasso*!

É o fim!

*Aqui, suponho, é o único lugar do mundo onde caminhão buzina para o trem sair da frente”.