Pescaria com Vladimir: roberto prado
- cafe & outras palavras
- 16 de ago. de 2019
- 4 min de leitura

Cidade Náutica, Praia do Imperador, onde Pedro I levava Dona Domitila para namorar, quando lá ainda havia água - como nos ensinavam os livros de História de nossa infância.
Sol forte. Em frente ao Bar e Ferro -Velho Naman (sim, um palíndromo [1]), alugamos um barco para pescar. Dentro, uma pedra amarrada a uma corda à guisa de âncora e três remos. Para quê três remos? Afinal entendemos de pescaria não de navegação náutica...! Empurramos o barco para a água e lá fomos nós. A maré sobe e empurra o barco que estupidamente tentamos dominar. Remamos, remamos, remamos e nada do barco obedecer e seguir para aonde queríamos ir.
Desesperados (não muito, isso é só para dramatizar um pouco o texto), resolvemos jogar a âncora (aquela pedra amarrada numa corda!). O barco cessa de subir com a maré e começa a rodar em volta da corda. Gira, gira, gira, e lá da margem algumas pessoas param para ver e tentar entender o que estamos fazendo. Ninguém entende, nem os da margem nem nós...
Remamos um para cada lado, e o terceiro remo largado ali. O barco gira ainda mais em volta da corda, começamos a ficar tontos (mais que o nosso normal), e eu mareado. Depois de muita peleja conseguimos levar o barco para a margem. Estávamos terrivelmente longe do píer do Naman. Movidos pela lógica(?) empurramos o barco de volta, andando pelo mangue.
Sujos de lama fedida e picados por borrachudos, chegamos gloriosos ao píer. Entramos em acordo que um continuaria a empurrar o barco, enquanto o outro amarraria o miserável numa das pilastras. Posto-me na proa como um capitão de uma esquadra invasora. O barco aproxima-se mais ainda do píer, grito para ele:
- Pára! Para essa porra!
Ele não consegue parar e o barco segue em frente, quanto mais ele avança, mais recuo, ele avançando e eu recuando, até que, o barco seguindo para baixo do píer, me obriga a abraçar-me num dos pilares coberto de
cracas[2], que me corta os pés e as pernas, enquanto vou me afundando, todo
arranhado e lanhado para dentro d’água.
Corremos para o bar do Naman, onde ele, piedoso, lava-me as feridas
com cachaça.
Voltamos à pesca.
Agora, acocorados no píer, começamos a lançar a linha. O sol queima, a
canícula está de matar, as horas passam e as gaivotas em mergulhos quase suicidas pescam mais que nós: 10 x 0 para elas.
Horas depois, a primeira fisgada. Um bagre, pequeno, mas peixe é
peixe, e precisamos de alguma prova que pescamos... Seguido desse, mais outros que guardamos em um saco plástico. Entusiasmados, começamos a comemorar. Tanta alegria nos fazia pular, e num dos pulos pisei num dos bagres que ficou colado no meu calcanhar esquerdo.
Mais uma vez acorremos ao bar do Naman, que generosamente lava-me novamente a ferida com cachaça. Ele balança a cabeça e resmunga:
- Isso vai doer muito à noite, vai sim...
Mancando, volto ao píer. Lançamos mais linhas, e rimos da coisa besta que é pisar num bagre, quando piso em outro. Agora com o pé direito.
Impressionante como sangra esse machucado!
Lá vamos nós outra vez ao bar do velho Naman, que mais uma vez usa sua panaceia universal para todos os tipos de machucado: CACHAÇA!
Em seu semblante carregado, percebemos uma séria preocupação.
Vadinho pergunta o quê o aflige, e o velho responde:
- Ele vai morrer. Duas ferroadas de bagres... Ele vai ter muita febre se não morrer...
Mais preocupado que ele, volto estupidamente à pescaria.
Cuidadoso, perscrutando cada centímetro quadrado do píer, procurando um lugar para sentar longe daqueles peixes dos infernos, vou para o canto esquerdo do píer, longe do saco plástico.
Coloco a isca no anzol, jogo a vara para trás, pego impulso e a lanço com força para a água. Sorrio de prazer, pescar é tão bom... [3] Vou cutucar o Vadinho que está do outro lado. Me estico, estico e nada de chegar perto dele. Ainda sentado, dou um pulo para trás, me aproximo e na hora que estendo a mão, ele sem me ver levanta-se e enfio a mão no saco de plástico cheio de bagres.
O velhinho quase chora ao me ver com um bagre preso pela barbatana na palma da minha mão. Estampado em seu rosto está a minha morte certa.
Resolvo dar um fim a essa pescaria antes que o velho morra de
preocupação. Saio mancando e cheirando a pinga. Não morri (nota-se) e nem tive febre, mas que a porra das ferroadas doeram, há doeram por muito mesmo...
GLOSSÁRIO
[1] Ou anacíclicas, do grego anakúklein, significando que volta em sentido inverso, que refaz inversamente o ciclo.
[2] Craca é o nome comum para os crustáceos marinhos sésseis de vários gêneros, da classe cirripedia. Estes animais quando adultos têm o exoesqueleto calcificado composto por várias placas que definem uma forma cônica. As cracas escolhem normalmente substratos rochosos, mas podem fixar-se também a fundos de barcos (onde causam estragos) ou a outros animais (por exemplo baleias).
A espécie Megabalanus azoricus deve o seu nome ao fato de ter sido originalmente descrita para o Arquipélago dos Açores, onde é utilizada na alimentação humana, sendo consumida cozida em água do mar. Posteriormente foi identificada noutros locais como, por exemplo, nos arquipélagos da Madeira e de Cabo Verde.
Por ser um animal que forma colónias (durante a fase natante de larva), sua reprodução é constante. Cerca de 97% das espécies conhecidas são hermafroditas – espero ter ajudado.
[3] Somente o Senhor Alexandre Costa discorda.
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