Reforma: roberto prado
- Cafe e outras Palavras
- 24 de jan. de 2020
- 3 min de leitura

36° anuncia o termômetro da rua!Por via das dúvidas, desde antes de ontem, escondi as lâminas de barbear. Há anos tenho grades na janela, não dá para saltar no espaço entre o telhado de casa e o chão lá embaixo, não nasci para o verão, tenho tremores quando se anuncia a primavera... O pedreiro chegou na hora, errada – para mim. Queria que ele não viesse hoje, obras, grande ou pequenas, me estressam, reformas me enlouquecem. Tenho um texto para terminar de escrever. Dois cachorros a passear na rua... Ele entra, suja meu tapete, e me avisa:
- É melhor o senhor recolher os tapetes e cortinas, hoje o serviço vai ser punk.
Respiro fundo.
Desde ontem estou com prisão de ventre, constipação proveniente dessa obra em casa...
Sinto-me estufado feito um baiacu, e de mau humor. Já tomei iogurte grego, água morna pela manhã, mamão, duas colheres de sopa de azeite extra virgem, óleo mineral. Estou lubrificado e entupido ao mesmo tempo.
Sento-me à mesa.
Encaro o notebook, ergo minhas mãos como se fosse eu um grande maestro a reger a Sinfonia 1812 de Tchaikovsky (meu coração fará as vezes dos tiros de canhão). Quando meus dedos estão quase pousando sobre os teclados minhas cachorras começam a latir a uivar como hidrófobas. Salto como se tivesse molas nas pernas, corro à cozinha onde elas estão e paralisado de horror vejo o pedreiro paramentado com o mais assustador traje de trabalho, com máscara cobrindo-lhe o roto, luvas sujas de tinta vermelha e uma marreta na mão direita fazendo gestos desesperados para que a cachorras parassem de latir.
Encosto-me à parede, tento recuperar o fôlego, gesticulo às cachorras, que não entendo minhas ordens põe-se a latir ainda mais – minhas cachorras são raça poodle!
O pedreiro tranca-se na área de serviço.Tornando-me, outra vez senhor da situação faço parar os latidos, peço ao pedreiro que volte ao serviço.Olho o termômetro da rua, 38º, sensação de 45º à sombra.
Acho que a terra está mais próxima do sol que a lua de nós...
Deliro.
Volto ao notebook e ao meu texto: “... então no sétimo dia, baratas em volta daquela maçã perdida no escuro da noite...”
Sou interrompido outra vez.
Agora as cachorras começam a correr em volta das minhas pernas. Choram, fazem manhas, correm à porta da sala e jogam-se ao chão aos prantos. Olho no relógio de pulso, hora do xixi delas.
Penso no termômetro.
Penso no calor.
Penso:
- Que mijem no apartamento!
Penso na mistura de urina, cimento e cal...
Pego as coleiras para leva-las à rua.
Pego meu chapéu Panamá.
Meus óculos de sol.
Passo protetor solar.
Respiro fundo e vou à área de serviço, Lili, a poodle branca não conseguiu se segurar... Limpo rapidamente o chão, pois sei que cada segundo que passa aumenta o perigo.
Tento não olhar para o termômetro.
Ando pela calçada como as baratas de meu conto a ser escrito, ando encostado nas paredes, esgueirando-me pelas sombras. Por duas ou três vezes pisei nas patas das bichinhas.
Somos três lutando por uma fresta de sombra.
É quase meio-dia, diminuem as chances de encontrarmos sombra. Elas não encontram um pedaço de chão que não esteja fervendo. Tento arranjar forças para leva-las a uma pracinha a dois quarteirões daqui. Antes de atravessarmos a rua elas acabam por urinar em mim...
No termômetro 39°, sensação:
- Grelha do Inferno!
Resignado volto ao apartamento.
Corro ao banheiro para tomar um banho. Enquanto esfregava-me furiosamente veio a primeira cólica.
Dobrei-me em dor:
- Essa não era uma boa horaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaargh – urro.
Segue-se uma segunda e mais dolorosa pontada na barriga. O desjejum começa a surtir efeito agora. Escorrendo água e sabão pelo corpo, patinei em direção ao vaso. Quase escorregando sento-me nele... E quando começo a evacuar...
O pedreiro dá a primeira marretada para derrubar a parede de um quarto. Com o susto o “fluxo” é, literalmente, cortado.
Sentado no vaso, encharcado, rescendendo a urina de cachorro e “interrompido” em uma necessidade das mais básicas, uso de meus conhecimentos de zen-budismo, tantra, enfim, rezo e faço promessas, minha situação é constrangedora e dolorosa. Respiro fundo, aperto minha barriga com todas as minhas forças, dou soquinhos nos joelhos, fico roxo de tanto esforço. Quando estou quase “conseguindo”, sentindo o relaxamento do esfíncter......
Outra marretada do pedreiro na maldita parede interrompe meus dolorosos esforços, grito:
- Deus! – e clamo por Ele em desespero de causa.
Para:
Marcelo Lemos, e
Lulu (A.L.)
que entendem do riscado!
Teclado dos infernos!
Precisamos de mais leitores comentárias como você.
Obrigado!
"Lubrificado e entupido ao mesmo tempo!" Me desculpe mas eu ri muito! kkkk Meu querido, faço votos que as próximas etapas desta obra sejam menos dolorosas. E que imagem veio-me ante a sua descrição dos trajes do pedreiro! Parecia uma armadura, pronto para a guerra literalmente! rs Um grande abraço e caminhos abertos! Paz!