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Sobre amores e hambúrgueres: roberto prado

  • Foto do escritor: Cafe e outras Palavras
    Cafe e outras Palavras
  • 23 de dez. de 2020
  • 3 min de leitura

Época de chuvas...

Pela manhã o menino da limpeza veio à nossa sala lavar as janelas, todas e cada uma.

Após a faxina, comentei com um colega que parecia que os barulhos da rua estavam mais altos sem a poeira e pó dos graneis do cais.

- Vai ver a sujeira ajudava no isolamento acústico! - pensei com meus botões.

Os trens e caminhões lá fora estavam dando tudo de si. Na luta entre concentração e distração eles estavam ganhando de lavada.

Os telefones colaboram com a cacofonia hoje.

Logo o menino da limpeza voltou, agora sem seu material de trabalho, sinônimo de conversa mole.

Nunca falha!

O colega ao lado perguntou-lhe sobre como andava sua vida amorosa. Se estava amando ou pagando para! Enrubescido respondeu que estava pondo o corpo à venda - no atacado ou no varejo* - para arrecadar fundos à sua insana procura por uma companheira, com especial preferência por asiáticas. Contou-nos sobre seu profundo conhecimento da cultura oriental, da culinária, da literatura, dos mangás. Sonhava guardar dinheiro para um curso, mesmo à distância, de judô ou caratê. E aproveitando-se de sua capacidade de falar sem respirar emendou outro assunto e contou-nos de suas misérias diárias – agora vejam senhores leitores, durante toda a sua peroração nenhum trem ou caminhão buzinou, sequer uma chamada telefônica a interromper nosso suplício.

Ele não prestou atenção a minha oferta e continuou a conversa. Estava decido a casar-se, estava cheio e amor para compartilhar, estava preparando a casa nova, recém-alugada – um quarto com privada (ou quarto com banheiro?), tinha pagado a vizinha para lavar e perfumar os dezessete gatos – todos com nomes (não nos disse se eles atendiam pelo nome!) estava, enfim, investindo tudo no seu sonho!

Falou por minutos sem fim.

Apiedados, colocamos em sua cabeça que o amor supera tudo, a falta de dinheiro, a falta de uma casa com outros cômodos e o excesso de gatos.

Ele ficou tão feliz com isso que me doeu o coração, ou algum outro órgão que doa no lado esquerdo do peito.

Antes de retirar-se de nossa presença, presenteou-me com um par de hashis, e saiu satisfeito (uma pena).

Olhando para os “pauzinhos” comentei com o colega sobre a experiência de um velho amigo numa dessas hamburguerias gourmet:

“Faltando minutos para a meia-noite, quase fechando o estabelecimento chega o último pedido.

Um hamburgão completo, tido e havido por aqui de podrão. O xis-tudo com tudo o que aparecer pela frente, muito bacon, muito queijo, muita alface, muitas fritas, enfim, muito de absolutamente tudo.

Agora a cereja do bolo!

Acompanhando o pedido uma mensagem que dizia:

- Caro hamburgueiro terminei a pouco um relacionamento de seis anos, capriche nesse lanche, por favor.”

Como se capricha um podrão para um fim de relacionamento?

- Rivotril sobre o pão de hambúrguer e gergelim? – pergunta um.

- Formicida no catchup? - indaga outro.

- Graciosamente oferecemos uma cerveja? – sugere o ajudante que é acólito numa igreja, e que não manja nada de capitalismo!

Se tais indagações fossem feitas a mim (um velho sábio & cínico), mandaria junto com o pedido o telefone do CVV...

Mas como sou sempre um mero expectador das tragédias humanas guardei para mim as sugestões.

Aproveito agora que os telefones, trens e caminhões deram uma folga no barulho e volto aos meus laboriosos afazeres antes que mais alguém pare aqui na sala para contar mais dessas misérias do cotidiano...

- RH não é para os fracos não! – de volta aos carimbos...









* Cristão e cínico que sou propus-me a comprar-lhes os cabelos... Ainda não me acostumei, depois de algumas décadas de idade, com minha calvície.


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