Sobre animais em transporte coletivo: roberto prado
- Cafe e outras Palavras
- 21 de dez. de 2020
- 3 min de leitura

Um breve resumo para começar essa crônica.
Minha mulher está cheia de serviço, logo não vai me buscar ao fim do expediente (sua mulher não vai busca você? Que pena!).
Logo, contra a minha vontade, sou obrigado a voltar de ônibus. Quem me conhece ou já me leu, sabe de meu horror disso. Penso que se não trabalhasse tão longe de casa, juro que voltaria a pé. Então sigamos.
Na rua, espero muito e muito tempo pelo ônibus, ele aparece, faço sinal, ele para, eu entro pago a passagem e então começa o espetáculo, ou deveria dizer drama?
Uma vez lá dentro…
Do radinho saía aquela música irritante. Bom!, chamar aquilo de música é de mostrar minha boa vontade com a humanidade. Sentados, dois sujeitos que em outras eras eu poderia classificar de forma clara e redonda, e que hoje por conta do P.C. (politicamente correto) sou obrigado a deixar por conta do leitor. Os corpos não estavam sentados, estavam largados como dois sacos de lixo, jogados, esperando serem recolhidos e incinerados.
Ali, com um radinho na mão os dois ouviam um hip-hop daqueles em que a vítima mais próxima ouve tiros, palavrões e ameaças de mais tiros e palavrões ao som de disco de vinil arranhado. Os passageiros indignados olhavam-se uns aos outros, esperando que alguém tomasse uma atitude, e se o leitor for brasileiro e morar aqui por essas plagas, já adivinhou que ninguém nada fez.
Atrás dos dois indivíduos - ai como me dói ser P.C! – que agora cantavam juntos seguindo o ritmo dos tiros, digo da música, estava uma mulher com dois filhos pequenos. O maiorzinho que deveria estar por volta dos dez ou onze anos era deficiente mental, e de quando em quando emitia agudos guinchos que contrastava com os tiros e palavrões do rádio da frente. À medida que o tempo passava, aumentava o desconforto dos passageiros e aumentava concomitantemente o número de pessoas aglomerando-se no fundo do ônibus. O coletivo estava divido, tendo a metade dos passageiros na frente, em cima do motorista, e a outra metade nos fundos, onde se encontrava esse vosso escriba em pé.
Sofrimento pouco é besteira, já me conformei…
Olhando para a rua, fingia que não via nem ouvia nada, às vezes descia o olhar apara uma senhorinha sentada no banco à minha frente. Deveria ela estar por volta de seus setenta anos, enrugadinha, encarquilhada, curvada pelo peso dos anos. O que ela já deveria ter visto e ouvido nessa vida? Muita coisa tenho certeza, mas será que em algum momento desse quase século de existência teria testemunhado tal barbaridade? Olhei para meu relógio, ainda faltava muito para chegar em casa, meu sofrimento estava longe de acabar, o hip-hop seguia com os mamíferos repetindo um refrão em que o cantor – aquela voz estridente, gutural, bruta que saia daquele aparelhinho seria humana? – falava alguma coisa, entre tiros e palavrões sobre um castelo de madeira. Junto, a criança do banco de trás grunhia, gritava e babava uma baba grossa. A pobre mãe tentava acalmar o menino que a cada minuto ficava ainda mais agitado com o barulho que vinha do banco da frente.
O mal-estar aumentava dentro do ônibus. Eu imaginava o quanto aquilo ainda poderia piorar…
A velinha visivelmente assustada juntava as mãozinhas numa prece muda. Meu ponto já estava chegando, logo desceria e, graças a Deus, não veria como iria acabar aquela desgraça.
Logo desci, deixei para trás a parelha de animais, o menino doente, a velhinha assustada e um bando de gente que gostaria de estar em qualquer lugar àquela hora menos ali…
Na rua vi o ônibus ir embora e ri, afinal eu já não estava mais lá!
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